Os empregos que vão penar

17/10/2011
Colocado por: Pedro Romano

O primeiro-ministro, Passos Coelho, justificou o corte salarial da função pública (até dois dos 14 salários para quem ganha mais de 1000€ mensais) com o cada vez mais célebre estudo do Banco de Portugal Wages and Incentives in the portuguese public sector. O estudo mostra que, em 2005, os funcionários públicos ganhavam, em média, mais 17% do que os trabalhadores do sector privado. Este valor refere-se ao “wage gap” depois de controladas as características dos trabalhadores (escolaridade e qualificações). Quando se leva em conta as horas trabalhadas, o prémio passa para mais de 25%. Não são levadas em conta outras características do trabalho, como a facilidade de progressão ou estabilidade de emprego.

 

O “wage gap” está agora prestes a ser completamente eliminado. Em baixo mostramos a evolução esperada das remunerações, partindo dos diferenciais encontrados pelo BdP e ajustados posteriormente pelos aumentos salariais determinados pelo Governo para a função pública e pelos aumentos do sector privado. Na ausência de dados fiáveis acerca de salários privados, utilizámos como “proxy” a evolução dos salários totais, já que aqueles constituem a maior parte destes.

 

 

Mas estes números escondem uma realidade subjacente um pouco mais heterogénea. O estudo do Banco de Portugal mostra que há uma grande dispersão nos “wage gaps” quando se compara profissões por áreas e/ou ocupações. O quadro seguinte, retirado do estudo apresenta as conclusões do Banco de Portugal, um pouco mais desagregadas.

 

 

Nas profissões onde não há competição significativa entre Estado e mercado (a linha “Mostly public” do quadro de cima), o prémio salarial chega a rondar os 30% no sector público. Isto reflecte, provavelmente, a maior capacidade de reivindicação. Nas profissões onde há competição, há um sector onde o “wage gap” também assume valores surpreendentes: os “especialistas de ciêncais sociais”, que têm um prémio de cerca de 20%. Nas restantes ocupações, o prémio esbate-se muito e chega a ser fortemente negativo na classe dos economistas e especialistas em tecnologias de informação.

 

Há duas conclusões possíveis, que podem ser retiradas cruzando estes dados com os que são reportados pelo GPEARI acerca da empregabilidade dos cursos (o estudo mais recente pode ser consultado no site do MCTES, agora Ministério da Educação e Ensino Superior).  

 

  • Segundo o MCTES, o grande crescimento do desemprego jovem reside nas áreas das ciências sociais, o que indicia pouca apetência do mercado por este tipo de qualificações. Este será, provavelmente, o sector mais fustigado durante os próximos anos: desemprego para quem não está no Estado e uma redução permanente de salários para quem é funcionário público.

 

  • Segundo o MCTES, nas áreas em que o Estado é o maior empregador (o exemplo clássico é o da formação de professores), o desemprego registado é baixíssimo. Se o fluxo de entradas for mantido, estes trabalhadores terão de se acomodar a uma redução salarial, mas é possível que consigam escapar ao flagelo do desemprego.

 

A reacção normal perante estes factos seria uma reorientação da oferta (e procura) formativa deste género de licenciaturas para aquelas onde há maior empregabilidade (que são também aquelas que dependem menos do Estado pra obter vantagens salariais): sistemas de informação/informática, matemática e estatística, saúde, algumas engenharias. E aqui as indicações são díspares. Se por um lado Portugal é dos países em que a taxa de crescimento de formações nestes ramos mais cresceu nos últimos anos, continuam a ser as ciências sociais as áreas mais procuradas pelos estudantes.

 

 

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