Michael Noonan, ministro das Finanças irlandês Fonte: Negócios
Os ministros das Finanças do euro reuniram-se a semana passada e voltarão encontrar-se esta sexta-feira para um eurogrupo extraordinário com o objectivo de fazer um balanço da estratégia anti-crise. Dois programas de assistência financeira chegarão ao fim em Dezembro (Irlanda e Espanha, esta última com um programa dedicado apenas ao sector financeiro) e até ao final do ano será preciso chegar a um acordo sobre a união bancária – isto para cumprir a meta que prevê o arranque da união com todos os seus mecanismos em Janeiro de 2015.
Na união bancária não houve novidades – nem deverá haver mesmo no Eurogrupo desta semana, em grande medida porque a Alemanha continua sem Governo. Mas da reunião da semana passada houve uma novidade, com consequências importantes para Portugal: a Irlanda decidiu sair do seu programa de resgate sem recurso a qualquer linha de crédito cautelar após Dezembro. Michael Noonan explicou a decisão com o momento excepcional que os mercados atravessam (a Irlanda está a pagar taxas de juro mais baixas que as que pagava antes da crise) e há sinais de algum crescimento na economia, mesmo que concentrado no sector de multinacionais. Por outro lado, a Irlanda tem cerca de 20 mil milhões de dinheiro em reservas que lhe cobrem as necessidades de financiamento de 2014.
Ainda assim, são muitos os que desconfiam que a Irlanda não recorreu a um programa cautelar (uma linha de crédito de reserva do ESM que pode ser usada em caso de necessidade e que permite estar elegível para o programa de compra de dívida do BCE) porque os países credores mostraram relutância em permiti-lo, dadas as boas condições de mercado e, talvez o mais importante, dadas as negociações para formação do governo alemão entre a CDU e o SPD. Esta é por exemplo a convicção de Karl Whelan, um economista irlandês com experiência em banca central, que se tem destacado na análise da crise.
Mas chegados aqui, o que significa a decisão irlandesa para Portugal? Nos corredores de Bruxelas há argumentos para todos os gostos. Aqui ficam prós e contras para ajudar ao debate:
A favor de Portugal
1) A saída da Irlanda com sucesso do seu programa, e sem o apoio de um cautelar, criar um sentimento de sucesso da estratégia europeia que poderá ajudar Portugal na sua saída no final do primeiro semestre do próximo ano;
2) Os momentos potencialmente mais tensos no mercado surgirão com os resultados dos testes de “stress” aos bancos, o que acontecerá no Outono de 2014, já após o final do programa português (Junho). Isto ajuda à conclusão do programa e é também uma boa justificação para Portugal requerer um cautelar.
3) Irlanda testa mercados. O Tesouro irlandês planeia ir ao mercado no início do ano, e se tiver sucesso sinalizar que países sob programas de ajustamento conseguem efectivamente recupera a soberania financeira;
Contra Portugal
1) Não é que houvesse dúvidas, mas assim fica muito exposto: Portugal não é a Irlanda. A tentativa de aproximação entre os dois países promovida por Vítor Gaspar perde muito espaço com a decisão irlandesa. Avançando para um cautelar, o que parece o melhor cenário a que Portugal pode aspirar – já nunca sairá “limpo” do programa, na terminologia adoptada em Bruxelas;
2) Ao recusar um cautelar, a Irlanda está a correr riscos desnecessários, especialmente considerando que 2014 pode ser atribulado e que o crescimento irlandês ainda é fraco para um País com dívida pública acima de 120% do PIB. Se algum problema acontecer será mau para a Zona Euro e especialmente para Portugal;
3) Se negociasse um cautelar neste momento, e dada a sua situação relativamente confortável quando comparada com a portuguesa, a Irlanda poderia conseguir melhores condições em termos de condicionalidade e das linhas centrais de um cautelar – o que poderia ajudar à negociação nacional em Maio.
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