Preparação da conferência de imprensa conjunta de Pedro Passos Coelho e Angela Merkel, em Lisboa, em 2012 Fonte: Mario Proença / Bloomberg
O debate sobre a estratégia de desvalorização interna como mecanismo de aumento da competitividade, o seu impacto nas relações de comércio internacional, e as possíveis soluções para o reequílibrio sustentável do défice externo português continua como um dos mais relevantes para o futuro do País. A sua relevância ultrapassa no entanto a dimensão nacional. Afinal para muitos economistas a crise da Zona Euro é, antes de qualquer outra coisa, uma crise de balança de pagamentos. Juntamos aqui vários contributos interessantes, alguns com perspectivas alternativas, que podem complementar este debate.
Um deles é o “Current account surpluses in the EU” um trabalho publicado pela Comissão Europeia no final de 2012, onde são analisados os desequilíbrios da balança corrente na União Europeia, com enfoque nos países excedentários. Há vários conclusões interessantes, mas a mais surpreendente talvez seja que a principal diferença entre países excedentários e deficitários na primeira década do euro foi o desempenho das importações e não o das exportações.
Mais polémico é um outro estudo, publicado pelo FMI e noticiado esta semana pelo Negócios, que coloca no centro do aumento do défice externo português durante a participação no euro não a falta de competitividade das exportações nacionais, mas sim a queda abrupta de rendimento gerada pela redução das remessas de emigrantes e pelo aumento dos rendimentos pagos ao exterior.
Numa análise aos desequilíbrios da balança de pagamentos na periferia da Zona Euro e nos Bálticos, Joog Shik Kang e Jay Shambaugh dizem que, em abstrato, há três explicações para o aumento dos défices externos: 1) o desempenho das exportações pode piorar por falta de competitividade; 2) as importações podem disparar por aumento da procura interna gerada por exemplo por excesso de optimismo, crédito fácil ou desvarios orçamental ou, 3) os défices podem mover-se por razões que nada têm a ver com o comércio, como por exemplo alterações nas transferências ou nos rendimentos. Portugal está neste último caso, defendem:
Trade has played little role in the growing imbalances since 2000 as there appears to have been little domes tic boom or export decline.
Non-trade factors have dominated the current account movements. Over this period, transfers declined by about 6 percentage points of GDP, and net income payments increased by 4½ percentage point of GDP, accounting for all the deterioration of the current account.
In the mid-1990s, expectations of higher growth led to a strong in crease in consumption and investment, leading to hi gher growth (Figure 23). With little appreciation of manufacturing ULC- based REER, exports grew strongly during this period, but import growth outpaced export growth, leading to a deterioration of the trade balance. While domestic demand growth somewhat slowed in the 2000s, especially investment, exports continued to grow, leading to an improvement in the trade balance.
Outro contributo interessante chega do Banco de Pagamentos Internacionais. Num artigo recente, um dos directores do BIS sublinhou a importância e a responsabilidade dos credores em evitar a acumulação de desequilíbrios e em contribuir para a sua correcção. Em “Caveat Creditor“, Philip Turner, escreve:
The financing of large and persistent external deficits often takes dangerous forms. Capital flow reversals, always difficult to predict, can have devastating consequences for debtors. The stock dimensions of external imbalances – net external positions, leverage in national balance sheets, currency/maturity mismatches, the structure of ownership of assets and liabilities, over-reliance on debt and the impact on bank credit – can threaten financial stability in creditor as in debtor countries. For these reasons, creditor countries have a responsibility both for avoiding “overlending” and for devising cooperative solutions to excessive or prolonged imbalances.
The need for some symmetry in adjustment between creditors and debtors is hardly novel. It was central to Keynes’s proposals for international monetary arrangements in the post-war world. It is within the IMF’s mandate (although creditor countries, which do not need IMF money, are less susceptible to their influence).
The contributions of Mateos y Lago (and other IMF economists), Truman, Reddy and Aglietta all put emphasis on this in their contributions to the Palais Royal Initiative. It has been on the agenda for international monetary reform since the Committee of Twenty in 1974. It is now on the agenda of the G20. It remains an important but unresolved issue of international monetary reform.
A análise de Turner evidencia que os desafios colocados pelos défices externos não podem ser enfrentados considerando apenas as balanças corrente e de capital. O financiamento, os credores e a balança financeira têm de ser considerados.
Sobre a importância do contributo do sistema financeiro para os desequilíbrios externos, vale a pena ler um artigo de 2011 de Claudio Boro, também do BIS e um dos economistas conhecido por ter avisado para as sementes da crise. Em “Global imbalances and the financial crisis: Link or no link? Claudio Borio and Piti Disyatat sublinham o papel central do sistema financeiro na criação dos desequilíbrios, embora não tanto pela quantidade de poupanças canalizadas das economias excedentárias para as deficitárias, mas mais pela forma como foi permitido ao sector financeiro criar de crédito em excesso. Nesta perspectiva, a regulação prudencial e a política monetária entram directamente no debate sobre a gestão dos desequilíbrios externos.
Que o debate continue.
- Carlos Costa e o colapso do BES. Negligente ou injustiçado? - 23/03/2017
- Os desequilíbrios excessivos que podem tramar Portugal - 21/03/2017
- A década perdida portuguesa em sete gráficos - 15/12/2016