Perfil de amortizações da dívida de médio e longo prazo
Fonte: IGCP e Negócios Nota importante: Os dois maiores picos de refinanciamento aconteceu em 2016 e 2021, com cerca de 17 mil milhões de euros e 21 mil milhões de euros, respectivamente. Os empréstimos dos fundos europeus (FEEF e MEEF) que vencem nestes anos ascendem a 7.275 milhões de euros em 2016 e 11.352 milhões em 2021.
É muita a confusão em torno das actuais negociações entre Portugal e os credores europeus com o objectivo de alongar as maturidades dos empréstimos concedidos pelo Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF, financiado pela Zona Euro) e pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira (MEEF, financiado pela UE). Na terça-feira o Ecofin mandatou a troika para propor essa transformação. Mas, afinal, do que estamos a falar? Que empréstimos estão em causa e porquê? Quais os impactos financeiros desta decisão? Por exemplo, a situação financeira nacional melhora substancialmente? E a probabilidade de regresso aos mercados?
O Negócios falou com vários especialistas sobre o tema, concluindo que o alongamento das maturidades deverá ter um impacto positivo na perspectiva de regresso aos mercados, mas que fará muito pouco pela sustentabilidade da dívida. E, nesse sentido, novas renegociações são dadas como prováveis. Aqui ficam algumas respostas a várias questões que pretendem dar conta do bom e do mau na extensão das maturidades de que tanto se fala, com a ajuda preciosa de, entre outros, Ricardo Santos (BNP Paribas), Lefteris Farmakis (Nomura) e Ricardo Cabral (Universidade da Madeira)
Eliminar os picos de emissão em 2016 e 2021 ajuda a regressar aos mercados?
Os três economistas concordam que este alisamento das maturidades é um contributo positivo para a estratégia de regresso aos mercados, uma vez que reduz o risco de refinanciamento e poderá facilitar também emissões de dívida que são necessárias para o País se qualificar para o programa de compra de dívida do BCE (OMT). Fica contudo claro que a estratégia nacional corre sérios riscos. Ricardo Cabral pensa mesmo que Portugal está a desperdiçar energia e credibililidade com mini-reestruturações que no fim não garantirão o regresso do País aos mercados.
Depois de ter emitido a 5 anos, para poder beneficiar do programa de compra de obrigações do BCE (OMT), Portugal tentará muito provavelmente emitir a 3 e a 10 anos . Tendo em conta que presentemente esses prazos têm necessidades substanciais de financiamento, isso poderá ser um entrave a atracção de procura por parte de investidores. Desta forma, para atrair investidores para essas emissões e garantir um acesso continuado ao mercado, Portugal beneficiará se reduzir esse risco de liquidez
Ricardo Santos, BNP Paribas
O principal benefício é a maturidade de 2016, porque 2016 está apenas uns anos depois da recuperação de acesso ao mercado Portugal. Obviamente, o pico em 2021 é grande mas, por esse altura, o Estado português já deverá ser capaz de se refinanciar de forma mais confortável. Qualquer alívio do perfil de amortizações é positivo já que o Estado precisará de vender menos obrigações.
Lefteris Farmakis, Nomura
Facilita em muito a tentativa em curso de regresso aos mercados (…) [Mas] Essa redução das amortizações programadas para 2016 e 2021 sinaliza que o Estado não acredita que será capaz de regressar plenamente aos mercados, e que pretende agora ganhar margem de manobra para conseguir ensaiar tal regresso.
É uma tentativa de manter o “status quo” e de adiar o problema. Só que este processo é contrário ao interesse nacional, porque resulta numa deterioração das condições associadas à dívida nacional. Acresce que quando esse regresso aos mercados falhar, como é altamente provável que ocorra, danificará muito mais a credibilidade do Estado português. Ou seja, tornará o regresso definitivo de Portugal aos mercados muito mais difícil.
Ricardo Cabral, Universidade da Madeira
A alteração destas maturidades terá um benefício financeiro relevante com impacto na sustentabilidade da dívida pública nacional?
Se a parte boa da negociação é a redução do risco de refinanciamento, a parte desoladora é que o contributo destas extensões de maturidade para a sustentabilidade da dívida é muito pequena, confirmam os três economistas. Como nota Lefteris Farmakis o principal contributo chega do facto de Portugal poder beneficiar por mais tempo de juros do MEEF e do FEEF que são mais baixos do que os que Portugal conseguiria obter no mercado. Isto é no entanto muito pouco para alterar a dinâmica de crescimento do peso da dívida pública, reforça Ricardo Cabral.
Não. Dado que se trata de um montante reduzido, não gera poupanças significativas e dessa forma não alterará substancialmente o cenário de sustentabilidade da dívida. Altera sim, como referi, a posição de liquidez
Ricardo Santos, BNP Paribas
O impacto na sustentabilidade da dívida é muito pequeno. Uma vez que o montante e as taxas de juro se mantêm, qualquer melhoria resulta da taxa adicional que teria de pagar para refinanciar esta dívida versus a taxa mais baixa cobrada pelo FEEF/MEEF por mais tempo. O principal benefício é a redução do risco de refinanciamento e não a sustentabilidade da dívida.
Lefteris Farmakis, Nomura
Não. A alteração destas maturidades constituiria mais uma reestruturação de dívida – já ocorreu pelo menos uma reestruturação da dívida quando os nossos parceiros na Zona Euro aceitaram reduzir a taxa de juro nos empréstimos a Portugal.
Estas pequenas reestruturações de dívida resultam em benefícios financeiros significativos, mas insuficientes para alterar a dinâmica de crescimento da dívida tornando-a sustentável. O país ver-se-á obrigado a solicitar, daqui a pouco tempo, uma nova reestruturação de dívida, isto é, melhores condições.
Ricardo Cabral, Universidade da Madeira
Portugal precisará no futuro de nova alteração das condições dos empréstimos europeus?
Para os economistas ouvidos pelo Negócios é um dado praticamente adquirido de que Portugal precisará de novas negociações com os parceiros europeus em breve. O melhor cenário começa a ser um em que Portugal se sujeita a um programa de prevenção do novo fundo europeu de resgate (ESM) que lhe dê acesso ao programa de compra de dívida pública do BCE. O pior cenário é uma sucessão de renegociações com os credores, a qual prejudicará a credibilidade do Estado português.
Dependerá das condições obtidas nesta alteração, mas o próximo passo mais importante a ter em conta será a alteração dos objectivos do défice. Em termos de financiamento, parece-nos que Portugal precisará pelo de um programa precaucionário do ESM [fundo de resgate europeu] para beneficiar da intervenção do BCE depois de 2014.
Ricardo Santos, BNP Paribas
O impacto na sustentabilidade da dívida é tão pequeno que é provável que alguma coisa tenha de ser feita. No entanto, ao contrário da Grécia, Portugal não tem empréstimos bilaterais para aplicar “haircuts” mais facilmente do que aos empréstimos do FEEF/MEEF. E o BCE não parece muito aberto a considerar em dar às obrigações portuguesas que detém em carteira o mesmo tratamento que deu às gregas [devolveu os lucros à Grécia]. Por isso, apesar de ser provável alguma coisa, esta poderá tomar forma de mais extensões de empréstimos oficiais e não tanto formas mais radicais de envolvimento do sector oficial.
Lefteris Farmakis, Nomura
A probabilidade de nova mini-reestruturação dos empréstimos europeus é muito muito alta. A dívida pública nacional está numa trajectória claramente insustentável. Só não vê quem não quer ver.
Ricardo Cabral, Universidade da Madeira
Mas, afinal, como é que tudo começou?
O princípio de alongamento da maturidade média dos empréstimos europeus dos actuais cerca de 15 anos para 30 anos foi decidido para a Grécia a 21 de Junho de 2011. Então foi também decidido que, pelo menos no fundo de resgate da Zona Euro (EFSF), Portugal e Irlanda beneficiariam dessa extensão (ver página 3 do Comunicado do Conselho Europeu).
Contudo, desde então nada aconteceu nesta frente. Actualmente, a maturidade média dos empréstimos do FEEF e do fundo de resgate da UE (MEEF) é de 14,4 anos e 12,4 anos, respectivamente, calcula o IGCP.
Em Janeiro deste ano, e após ver gorada a hipótese de beneficiar de melhoria no programa de assistência concedida à Grécia e decidida no final do ano passado (entre elas uma redução da taxa de juro e a carência de pagamento de juros por dez anos), Portugal (juntamente com a Irlanda), apresentaram formalmente um pedido de extensão de maturidades dos seus empréstimos.
Que maturidades estão em questão?
O tema está em discussão entre Portugal e os credores. No caso português, o Governo optou por concentrar a sua reivindicação no alisamento dos picos de refinanciamento que ocorrem principalmente em 2015 e 2016 e 2021. O objectivo, diz o Governo, é facilitar o regresso autónomo do país aos mercados financeiros – previsto para meados de 2014 – sem excessivas necessidade de financiamento.
Perfil de amortizações da dívida de médio e longo prazo
Fonte: IGCP e Negócios Nota importante: Os dois maiores picos de refinanciamento aconteceu em 2016 e 2021, com cerca de 17 mil milhões de euros e 21 mil milhões de euros, respectivamente. Os empréstimos dos fundos europeus (FEEF e MEEF) que vencem nestes anos ascendem a 7.275 milhões de euros em 2016 e 11.352 milhões em 2021.
Porque é que Portugal não estende a maturidade média para os 30 anos?
O Governo tem sido pouco claro sobre as razões que o levam a prescindir de reclamar um alongamento da maturidade que já estava decidido desde Junho de 2011. A posição é ainda mais caricata pelo facto da Irlanda tem defendido exactamente essa posição, o que foi considerado impossível por Vítor Gaspar.
Várias fontes nacionais e internacionais associam essa reticência à vontade portuguesa de articular posições políticas com outros parceiros da UE, em especial com Alemanha.
Este é num momento sensível da crise europeia: há mais um resgate à vista no Chipre, são possíveis intervenções adicionais na Irlanda e em Portugal (com vista a facilitar o regresso aos mercados) e, muito importante – talvez o mais importante – a Alemanha vai a eleições em breve.
Uma extensão da maturidade média para os 30 anos careceria da necessidade de aprovação por Parlamentos nacionais da Zona Euro. Um dos mais problemáticos é o alemão.
Estas restrições fazem com que neste momento os técnicos da troika estejam a ponderar todas as hipóteses, incluindo estender as maturidades de uns empréstimos e encurtar as de outros, com o objectivo de alongar o mínimo possível a maturidade média dos empréstimos, mas ainda assim satisfazendo a necessidade aliviar os picos de 2015, 2016 e 2021.
A tarefa é dificultada pelo facto de, até 2021, e mesmo com extensão das maturidades do FEEF e do MEEF nos anos-pico, Portugal ter sempre mais de 10 mil milhões de euros por ano para amortizar.
Outra restrição tem a ver com o facto de Portugal pretender emitir dívida a 3 e 10 anos (condições prováveis para qualificação para o programa de compra de dívida do BCE), o que, acontecendo este ano, implicaria carregar nas necessidade de refinanciamento de 2016 e 2023.
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