O primeiro passo de Portugal de regresso aos mercados foi um sucesso. Paula Carvalho, do BPI, sublinha que o “regresso de Portugal aos mercados é um marco importante”, evidencia os riscos que estão pela frente e aponta para o programa de compra de dívida pública do BCE (OMT) como uma peça central na recuperação do acesso ao mercado. Filipe Garcia, da IMF, também salienta o papel importante que o OMT pode vir a desempenhar no regresso de Portugal aos mercados.
Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium bcp, BPI, NECEP (Universidade Católica) e IMF, isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.
Paula Carvalho – Departamento de Estudos do BPI
1. A emissão de dívida em mercado primário pelo Tesouro Português é uma boa notícia, sendo mais um passo no sentido da normalização após o quase-default e recurso a ajuda externa, em Abril de 2011. Esta emissão abre caminho para que bancos e empresas portuguesas possam aceder ao mercado internacional em melhores condições (várias empresas já iniciaram este processo em 2012), o que se traduzirá internamente em custos de financiamento mais baixos, dará um contributo positivo à actividade económica e mais tarde, ao emprego. Ou seja, este é um passo adicional no sentido do reajustamento estrutural da economia portuguesa e alcance de um modelo de crescimento sustentável a prazo, embora subsistam importantes riscos no futuro.
2. Numa outra perspectiva, importa lembrar que o regresso da República Portuguesa ao mercado internacional é um processo que requer continuidade. São apenas 2 mil milhões quando se estimam necessidades de financiamento brutas em 2014 de 36.7 mil milhões de euros dos quais apenas 8.1 MME serão satisfeitos pela Troika (estimativas do FMI). Pelo que é fundamental o avanço no processo de consolidação orçamental, é necessário que a economia não caia numa espiral recessiva, mas também são importantes os desenvolvimentos externos, em particular ao nível da maior integração europeia e concretização da União Bancária.
3. O regresso ao mercado primário tornou-se também possível dado o cumprimento do target dos 5% para o défice orçamental de 2012, evitando um período que poderá ser mais conturbado, no segundo semestre; nessa altura, aumentaria a pressão internacional (especulação sobre os motivos que impediriam uma colocação em primário, ainda que não fosse necessária do ponto de vista da gestão de tesouraria); para além de que há alguns riscos que pendem sobre a execução orçamental em 2013, que possivelmente se tornarão notórios em torno da viragem do semestre. Um motivo adicional para o regresso ao mercado primário é também a possibilidade de o BCE accionar o seu programa OMT, dado que uma das premissas para a operacionalização é que o país já se esteja a financiar regularmente no mercado. A activação do OMT (ou o reforço da probabilidade de tal acontecer…) reforçará a tendência de queda das yields das OT's em mercado secundário.
Filipe Garcia – Informação de Mercados Financeiros
1. Portugal colocou hoje [ontem] dívida no montante de 2.5 mil milhões de euros, com maturidade em Outubro de 2017, ou seja perto de 5 anos. A taxa de juro paga foi de 4.891% que, comparando com a evolução dos rendimentos para maturidades semelhantes, é um nível que já não se observava em mercado secundário desde Dezembro de 2010. A emissão comparável mais recente tinha ocorrido a 7 de Fevereiro de 2011, a uma taxa de 6.4%. 93% da emissão foi subscrita por estrangeiros.
2. A colocação foi bem-sucedida, como esperado. Não teria cabimento avançar para uma operação deste tipo sem que o sucesso não estivesse garantido à partida. Para além da influência de um contexto externo mais positivo, esta operação insere-se provavelmente no “pacote” de acordo com a União Europeia acerca da extensão de prazos de pagamento da ajuda externa e tem como objectivo criar as condições para que Portugal tenha acesso ao programa de compra de obrigações em mercado secundário pelo BCE (programa OMT). Esta operação surge também no contexto da operação de troca entretanto já realizada. Ontem mesmo, o ministro das finanças irlandês dizia que o país poderá aceder ao OMT após proceder a dois leilões de dívida de longo prazo com sucesso. Portugal deverá estar na mesma situação. Portugal está a conseguir descolar-se totalmente da Grécia e juntar-se à Irlanda, um objectivo perseguido há muitos meses.
3. No mercado obrigacionista é cada vez mais visível o aumento do apetite investidor por activos de maior risco, o que permitiu a Espanha colocar um valor recorde de dívida em Janeiro. Respira-se, claramente, “um ar diferente” na zona euro.
4. Relativamente à taxa de juro da operação, deve notar-se que desde o início do resgate financeiro Portugal quase não colocou dívida acima de 5% em qualquer das maturidades, incluído Bilhetes de Tesouro. Nesta altura Portugal coloca a 5 anos aos mesmos níveis que Espanha emite a 10 anos e um ponto percentual acima dos rendimentos de Irlanda a 10 anos em mercado secundário.
Notar ainda que estas obrigações resultam da extensão de uma linha já existente. Isto significa que são emitidas com base na legislação “antiga” sem as “Collective Action Clauses” que são obrigatórias nas novas obrigações a emitir na UEM e que permitem que uma maioria de detentores imponha uma reestruturação aos restantes.
5. Se o contexto de mercado se mantiver positivo, poderemos assistir a uma nova emissão ainda neste trimestre, bem como a operações de troca de títulos.
- Carlos Costa e o colapso do BES. Negligente ou injustiçado? - 23/03/2017
- Os desequilíbrios excessivos que podem tramar Portugal - 21/03/2017
- A década perdida portuguesa em sete gráficos - 15/12/2016