Verdades inconvenientes sobre previsões económicas

15/11/2012
Colocado por: Rui Peres Jorge

 

Um “zé povinho” em porcelana num mercado de Lisboa Fonte: Mário Proença, Bloomberg 

 

As previsões macroeconómicas são um elemento central na política económica moderna. Delas dependem as previsões fiscais dos orçamentos do Estado, é sobre elas que se constroem muitas das recomendações de política, e são um factor decisivo na formação das expectativas dos agentes económicos. Não admira por isso que Governo, FMI, Comissão Europeia, BCE, Banco de Portugal, OCDE, bancos comerciais, entre outras instituições publiquem com regularidade – e muita visibilidade – as suas estimativas de crescimento. Mas dada a sua importância será que sabemos o suficiente sobre elas? Ora veja algumas conclusões curiosas.

 

 

1. As instituições tendem a ser optimistas pelo menos para o ano seguinte (especialmente se estiverem envolvidas na governação) 

 

As previsões tendem a ser optimistas e Portugal é bom exemplo deste enviesamento. O optimismo dos governos ao longo dos anos nas previsões macroeconómicas tem sido vincado por análises tanto do Conselho de Finanças Públicas (CFP), como da UTAO e foi tratado pelo Negócios recentemente. Mas pelo menos desde o início do programa de ajustamento que este optimismo contagiou FMI, Comissão Europeia e BCE, como evidenciou o CFP na sua última análise ao Orçamento do Estado: as estimativas de crescimento para Portugal foram sistematicamente revistas em baixa em todas 5 avaliações do programa nacional.

 

Evolução esperada do PIB nas várias avaliações ao programa nacional partindo do PIB de 2008 = 100 

 

Fonte: Análise do Conselho de Finanças Públicas à proposta de Orçamento do Estado para 2013 (página 16 de pdf)

 

Análises independentes às previsões de instituições da troika confirmam que o enviesamento extravasa Portugal. Por exemplo, entre 1994 e 2003 o FMI foi em média optimista nas previsões para África por ter nesse Continente vários programas de ajustamento, concluiu o fiscal interno do FMI em 2006. Vale a pena também ler uma análise de 2011, num artigo publicado pelo Banco de Portugal, onde Ildeberta Abreu analisou a qualidade das previsões do FMI, Comissão, OCDE e analistas privados. O optimismo é especialmente visivel em momentos de abrandamento económico, escreve a investigadora:

 

This appears to stem from a tendency of the various forecasters to persistently over-predict growth when the economy is slowing down and most noticeably during periods of economic recession. Also, there is tentative evidence of a high correlation of year-ahead projection errors for the euro area economies. Current-year GDP growth forecasts are generally unbiased and efficient

 

 

2. Seis a sete décimas de crescimento a mais na procura interna compensam redução de dois pontos nas exportações

 

O crescimento de uma economia é habitualmente medido pela variação do PIB, o qual resulta de uma equação simples: a soma de consumo privado (C), consumo público (G), investimento (I) e exportações (X) substraídas das importações (M). Escrito de outra forma: PIB = C + G + I + X – M.

 

Para perceber as dinâmicas na variação da actividade económica é preciso considerar não só as suas componentes, mas também o seu peso relativo na economia. De acordo com o Banco de Portugal, em 2011, o consumo privado pesava 66,3% no PIB. Já as exportações representavam apenas 35,5% do PIB, enquanto a procura interna (C+G+I) somavam 103,8% do PIB, três vezes mais que as vendas ao exterior.

 

Isto quer dizer que basta uma revisão em alta de seis a sete décimas na taxa de crescimento da procura interna, para compensar uma redução de dois pontos na previsão de taxa de crescimento das exportações. É tudo uma questão de proporções.

 

Da próxima vez que olhar para previsões de crescimento tenha esta dimensão em consideração. Por exemplo, em Setembro, a Comissão Europeia apontou para uma recessão de 1% em Portugal em 2013, como revela o relatório de avaliação publicado já em Outubro. Na semana passada, Bruxelas manteve a previsão de recessão, apesar de esperar um crescimento muito inferior nas vendas ao exterior (em de vez de 3,5% deverão crescer apenas 2,2%). Como é que isto foi possível? Bom, uma ajuda preciosa chegou de uma revisão em alta de apenas umas décimas da procura interna. 

 

 

3. O diabo está (também) nas hipóteses

 

Não descure as hipóteses assumidas nos modelos de previsão. Delas depende muito do resultado final. 

 

Entre as hipóteses mais importantes e evidenciadas estão a expectativa para a evolução dos juros, do preço do petróleo, da taxa de câmbio ou da procura dirigida à economia nacional. Mas estas não são as únicas hipóteses relevantes. Por exemplo, como são avaliadas as medidas de austeridade e quando é que o seu impacto é incluído nas contas: quando o Governo de compromete a reduzir o défice? Quando o Executivo traduz essa intenção em medidas concretas? Ou apenas quando as medidas são aprovadas no Parlamento? A diferença pode ser grande, como exemplificam as previsões do Banco de Portugal.

 

No caso do banco central, o que conta são as medidas especificadas em detalhe e, preferencialmente, após aprovação parlamentar. Isto quer dizer que apesar de só agora ter apontado para uma recessão em 2013, o banco central português já no início deste ano esperava uma recessão no próximo ano. Porquê?  

 

Porque as previsões da Primavera e do Verão apontaram para uma estagnação da economia em 2013, mas não incluíam as medidas de austeridade que já se sabiam necessárias (embora desconhecidas no detalhe) para baixar o défice orçamental no próximo ano como acordado com a troika. Esta regra de funcionamento ao nível do sistema europeu de bancos centrais escondeu uma recessão que era uma quase inevitabilidade.

 

 

4. O PIB potencial (como os multiplicadores orçamentais) é o que um economista quiser (ou quase)

 

O PIB potencial é uma das construções teóricas mais relevantes nas previsões macroeconómicas e na condução da política orçamental.

 

Trata-se de uma estimativa de um PIB teórico que se verificaria caso a economia estivesse a funcionar no seu potencial. O “PIB potencial” num determinado momento tende a ser estimado por técnicas econométricas que procuram identificar qual é a tendência de evolução das várias componentes do PIB. A partir dessa tendência estima-se então PIB potencial, que por sua vez permite conclui-se se a economia está a operar acima ou abaixo do seu potencial.

 

Chegados a estes valores (que variam de instituição para instituição) é então possível calcular outra variável teórica: o saldo orçamental estrutural. Isto é, o saldo orçamental (sem medidas extraordinárias) que se verificaria caso a economia estivesse a funcionar no seu potencial. O objectivo deste exercício é ajustar o valor de défice orçamental ao ciclo económico (por exemplo, ajustar ao facto de em recessão existirem muito mais despesas com subsídios de desemprego o que prejudica as contas públicas).

 

O saldo estrutural é o principal indicador de condução de politica orçamental na UE: Portugal tem por exemplo que atingir um saldo positivo de 0,5% do PIB até 2015.

 

No entanto, devido à natureza teórica do indicador, esse valor difere se for calculado pela Comissão Europeia ou pelo BCE e a sua avaliação em tempo real é muito difícil de fazer. Vejamos o que nos diz o Conselho de Finanças Pública sobre este tema na sua avaliação ao Orçamento do Estado (ver página 18 do pdf):

 

O saldo estrutural não é diretamente observável, sendo necessário estimá-lo. Para esse efeito, há duas etapas críticas: i) o método de ajustamento cíclico; e ii) a identificação das medidas temporárias e das medidas não recorrentes.

 

O ajustamento cíclico é um cálculo complexo que envolve a obtenção de uma estimativa do produto potencial da economia e a aplicação de parâmetros de sensibilidade das receitas e das despesas públicas a esse hiato. A metodologia comum acordada na União Europeia utiliza uma função de produção para a obtenção do produto potencial, decorrendo daí a estimativa para o hiato do produto. Esse cálculo encontra-se sujeito a revisões, que são particularmente significativas para o período mais recente, sendo assim difícil obter uma boa estimativa do hiato do produto em tempo real. Esta dificuldade é acrescida nas circunstâncias atuais da economia portuguesa, em que existe uma grande incerteza relativamente à evolução das componentes do produto potencial.

 

Um conselho: se alguém lhe parecer demasiado seguro sobre este tema, desconfie.

 

 

5. Cuidado: as medidas em percentagem do PIB são muito sensíveis à expectativa de inflação

 

Para terminar, olhemos para importância dos preços nas previsões macroeconómicas.

 

Dizemos muitas vezes que os valores de défice e dívida são medidos em percentagem do PIB. Mas na verdade deveríamos vincar que eles são medidos em percentagem do PIB nominal. Vejamos um exemplo para perceber porquê:

 

O “economista A” espera que o défice do próximo ano seja de 5 mil milhões de euros, e que o PIB (que este ano será de 100 mil milhões de euros), cresça 1% em termos reais. O “economista A” espera contudo que, em termos nominais, o PIB cresça 4%: isto é, estima que o deflator do PIB (a medida de inflação de todos os preços na economia e não apenas nos bens e serviços de consumo) seja de 3%.

 

Neste cenário, o défice em percentagem do PIB do próximo ano para o “economista A” é simples de calcular: Défice A = 5.000/(100.000*1,04)*100 = 4,8% do PIB

 

Ora, imaginamos agora que o “economista B” espera também um défice de 5.000 milhões de euros e um crescimento real da economia da economia de 1%.

 

Só que, para o “economista B” não há qualquer razão para que os preços na economia subam acima de 1%. Assim, apesar do valor do défice ser o mesmo, o défice em percentagem do PIB do “economista B” é diferente: Défice B = 5.000/(100.000*1.02)*100 = 4,9% do PIB

 

Se reteve a informação até aqui, atente agora no que escreveram na análise ao Orçamento do Estado os especialistas da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (página 18 do pdf):

 

a projecção para o deflator do PIB apresentada no OE/2012 acabou por ser corrigida de 1,7 para 0,3%, dando origem a uma revisão em baixa de cerca 3 mil M€ no PIB nominal, sem que se tenha verificado uma alteração significativa das projeções para o PIB real. Este erro de projecção acabou por ser responsável por uma parcela não negligenciável das revisões ocorridas ao nível da dívida pública e do défice em 2012 em percentagem do PIB e também ao nível da receita fiscal.

 

Ou seja, para a mesma recessão real (cerca de 3% do PIB), o Governo estimou no início do ano um PIB nominal superior ao que se veio a verificar. Tal favoreceu as contas há um ano atrás (reduzindo os rácios de dívida e défice sobre o PIB), mas tornou-se em um fardo no final do ano.  

 

Rui Peres Jorge