De imediato ficámos com o país equilibrado, com a balança de transacções correntes em zero, o que é extraordinário. A confirmar-se será um dos ajustamentos mais rápidos das economias avançadas recentes, melhor até que outros países que tiveram sucesso com os mesmos programas, mas demorando mais tempo, o que nos deixa bastante confiantes em relação ao futuro
António Borges, 30 de Agosto de 2012
O Governo tem por várias vezes evidenciado o bom resultado na frente externa no primeiro semestre do ano (traduzido numa redução homóloga de 80% no défice externo, medido pelo saldo conjunto das balanças correntes e de capital). Perante o desaire orçamental que se adivinha, esta evolução deverá ainda ganhar mais destaque nas próximos meses. Esta semana António Borges, conselheiro do Governo, declarou mesmo a morte do défice externo nacional. Essa corre no entanto o risco de ser uma notícia exagerada. Os dados conhecidos até agora apontam para a difícil sustentabilidade dos resultados conseguidos.
Imaginemos dois tipos extremos de ajustamento do défice externo:
1. Se, por hipótese o equilíbrio no saldo externo resultar exclusivamente de um aumento de exportações, então há boas razões para considerar que o resultado é sustentável – pelo menos enquanto as empresas nacionais conseguirem manter os seus níveis de competitividade. Da mesma forma, se o equilíbrio for conseguido por um aumento dos rendimentos recebidos do exterior – porque os investimentos feitos lá fora foram bem sucedidos e apostaram em projectos e economias vigorosas – então há também razões para optimismo.
2. Já, por outro lado, se a redução do défice externo for conseguida à custa de uma redução abrupta das importações, decorrente de um choque da procura interna e de uma recessão, então o ajustamento dificilmente será sustentável: a economia precisa de voltar a crescer em algum momento e, quando isso acontecer, as importações (muitas delas de bens de investimento necessários à competitividade das empresas e da economia) irão aumentar. De igual forma, se a redução do défice se dever exclusivamente a uma redução dos rendimentos pagos ao exterior devido à menor rendibilidade dos projectos estrangeiros na economia portuguesa (que assim pagam menos juros e dividendos), então também não há grandes razões para festejos.
Olhemos então para o que está a acontecer em Portugal através da análise aos saldos das várias balanças no primeiro semestre.
A Balança de Pagamentos. Valores em milhões de euros
Fonte: Banco de Portugal e Negócios
Algumas conclusões:
a) O défice externo (medido por balanças corrente + balança de capital) reduziu-se em 79% no primeiro semestre, de 7.139 milhões de euros para 1.477 milhões, mas 4/5 do ajustamento chegaram por uma redução do dinheiro pago ao exterior, isto é, essencialmente por menos importações e menos rendimentos pagos ao exterior;
b) O principal contributo para a redução do défice externo chegou da balança corrente (balança comercial+balança de rendimentos+balança de transferências correntes), cujo défice caiu 63% ou 4,95 milhões de euros (A balança de capital, também ajudou é certo, mas esta é composta essencialmente por transferências públicas, ao abrigo de relações comunitárias, as quais podem ter perfis diferentes no tempo);
c) O défice da balança comercial caiu 84% ou 3,9 mil milhões de euros no semestre, sendo que a redução das importações de bens e serviços explica 51% da redução do défice comercial. As exportações contribuíram com 49%.
d) A variação do défice da balança de rendimentos (em 25%, de -4.991 milhões de euros para -3.719 milhões) resulta essencialmente de uma abrupta redução dos rendimentos pagos ao exterior de 2,8 mil milhões de euros (com destaque para os rendimentos de investimento de carteira e de investimento directo estrangeiro). Esta evolução mais que compensou o facto de Portugal ter também recebido menos dinheiro do exterior.
Sendo indiscutível que o ajustamento externo registado na economia portuguesa é impressionante, há razões para olhar com cautela para o que está a acontecer.
Por um lado, metade do ajustamento comercial deve-se à queda das importações (carros dão um contributo importante, mas menos maquinaria e investimento produtivo foram também decisivos). Por outro, Portugal está a pagar muito menos rendimentos ao exterior, em grande parte porque está em recessão, remunerando menos os investimento dos estrangeiro, o que está longe de ser animador.
Estas são dinâmicas com efeitos potencialmente perversos para o futuro da economia e que apontam um elevado risco de insustentabilidade a médio prazo da correcção do défice externo que Governo e troika tanto elogiam. Notícias sobre a morte do défice externo são, neste momento, claramente exageradas.
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