Portugal não é a Grécia (mas será que isso chega?)

23/02/2012
Colocado por: Rui Peres Jorge

 

Atenas esta semana Fonte: Kostas Tsironis/Bloomberg

Os últimos dias têm sido intensos e ricos em nova informação sobre a crise europeia, nomeadamente sobre a situação na Grécia e as características da reestruturação da dívida grega. Talvez o documento mais importante nestes últimos dias seja a análise à sustentabilidade da dívida pública grega que foi um elemento base nas negociações em Atenas. Além de descrever as dificuldades do país, o documento é ainda importante para por deixar claro – ao ser comparado com o equivalente luso – que Portugal não é a Grécia em termos de sustentabilidade da sua dívida. Mas se isso pode servir de algum conforto, está longe de garantir que Portugal não seja também forçado a algum tipo de renegociação da sua dívida. Um cenário que é aliás reforçado pela desconfiança que a partir da reestruturação grega os investidores passarão a ter sobre as dívidas periféricas do euro.

 

No melhor dos mundos, Grécia chega a 2020 com um rácio de dívida de 120,5% do PIB

 

Os dados usados no documento da troika ainda não incluíam, naturalmente, as medidas aprovadas na terça feira passada para procurar que o rácio de dívida pública grego fique nos 120,5% do PIB em 2020. Na altura em que foi feito, as simulações apontavam ainda para 129,5%. Em todo o caso, as principais conclusões mantêm-se. Vejamos:

 

– Com perdas para os credores privados de 53,5% do valor nominal da dívida que detêm, o stock da dívida grega é cortado em 107 mil milhões de euros. Os privados detêm agora cerca de 200 mil milhões de dívida pública na sua posse. O restante está nos balanços do FMI, BCE e bancos centrais nacionais;

  

– A troika avisa que “Há riscos enormes” decorrentes, nomeadamente, do elevado nível da dívida pública helénica e do facto de haver muita dívida sénior que não é reestruturada e também que a Grécia não deverá conseguir voltar ao mercado depois do programa de ajustamento:

 

There are notable risks. Given the high prospective level and share of senior debt, the prospects for Greece to be able to return to the market in the years following the end of the new program are uncertain and require more analysis. Prolonged financial support on appropriate terms by the official sector may be necessary.  

 

– Outro risco significativo decorre dos impactos que a recessão terá na sustentabilidade da dívida. Isto é, a desvalorização interna necessária para garantir competitividade implicará perdas de PIB significativas que poderão elevar a dívida grega para os 160% do PIB:

 

a scenario of particular concern involves internal devaluation through deeper recession (due to continued delays with structural reforms and with fiscal policy and privatization implementation). This would result in a much higher debt trajectory, leaving debt as high as 160 percent of GDP in 2020. Given the risks, the Greek program may thus remain accident-prone, with questions about sustainability hanging over it. 

 

– A própria reestruturação (envolvimento do sector privado) vai dificultar o regresso ao mercado. Por um lado deixará os investidores mais desconfiados sobre o futuro. Por outro, toda a nova dívida será júnior perante a dívida já existente. É impossível prever o regresso aos mercados, diz a própria troika:

 

Market access prospects have become more adverse. The PSI deal, in the process of being agreed with creditors (below), has worsened the outlook for new market access due to the proposed co-financing structure with the EFSF (which essentially implies that any new debt will be junior to all existing debt). It is now uncertain whether market access can be restored in the immediate post-program years

 

– As necessidades de financiamento da Grécia entre 2012 e 2014 ascendem a 170 mil milhões de euros, dos quais 34 mil milhões sobram do primeiro resgate. Foi assim necessário encontrar 136 mil milhões de euros: UE e FMI entraram com 130 mil milhões como previsto, e os restantes chegaram de um envolvimento ligeiramente superior do sector privado e do facto de eventuais lucros que o BCE faça com dívida grega serem entregues ao país. Entre 2015 e 2020 serão necessários mais 50 mil milhões de euros, pois em principio a Grécia continuará fora do mercado nesse período:

 

For the period 2015-2020 official financing needs could amount to an additional €50 billion (again before actions to reduce debt), although this figure could be a little lower if Greece is able to gain some limited market access in the last years of the decade.

 

– Pequenas variações nas receitas de privatizações, no crescimento ou na execução orçamental facilmente colocarão a dívida pública entre os 160% e 180% do PIB

 

 

No melhor dos mundos, Portugal chega a 2020 com um rácio de dívida nos 100% do PIB

 

O último documento com uma análise de sustentabilidade à dívida pública portuguesa foi publicado pelo FMI na segunda avaliação ao programa português  (páginas 40 a 46 do pdf). Segundo os economistas de Washington, sem reestruturação, mas com tudo a correr bem, Portugal conseguiria chegar a 2020 com um rácio de dívida pública sobre o PIB de cerca de 100% do PIB. Mas nem tudo poderá correr bem:

 

– O melhor dos mundos é mesmo bastante bom. Inclui, por exemplo, um crescimento da economia já em 2013 e o regresso aos mercados a taxas razoáveis em 2014:

 

Staff’s medium-term growth assumptions do not include any payoff from structural reforms. Growth projections for 2012 have been revised downwards from -1.8 percent to -3 percent, but continue to reflect a cyclical recovery starting in 2013. In the long term, the baseline incorporates the authorities’ potential growth assumption of 2 percent, which seems realistic. However, debt sustainability strongly depends on the full implementation of a large cumulative improvement in the structural primary balance adjustment of almost 9 percent of GDP over 2010–13. In addition, the baseline assumes that policies are unchanged thereafter and Portugal returns to markets at reasonable interest rates in 2014.

 

– Se nas contas forem incluídos os impactos de longo prazo das PPP e do envelhecimento e admitirmos um cenário macroeconómico ligeiramente pior (recessão ainda em 2013 e crescimento de 1% até 2020), então a dívida passa a ser insustentável:

 

Under staff’s alternative scenario of lower growth (deeper recession over the program period and potential growth at 1 percent instead of 2 percent in the baseline), debt would remain flat at 120 percent of GDP over the long-term (before including long-term pressures). If long-term pressures are taken into account in this low-growth scenario, even without considering any other shock, debt would not be sustainable. These stress tests underscore the sensitivity of debt sustainability to lower growth, and highlight the challenges in bringing down debt to less vulnerable levels. This exercise reinforces the urgent need for structural and growth-enhancing reforms in Portugal.

 

 

Rui Peres Jorge