Vítor Gaspar, ministro das Finanças, e Carlos Costa, governador do Banco de Portugal Fonte: Miguel Baltazar/Negócios
É muito provável que o Banco de Portugal nunca tenha tido tanto poder sobre a política económica nacional. Além do seu papel directo na execução do programa de ajustamento – como banco central português e membro do Eurosistema e representante de Portugal no FMI – o Banco de Portugal tem um peso inédito no Terreiro do Paço. Como demos conta no Negócios, vários lugares chave do Ministério das Finanças são ocupados por quadros do banco central. Ministro e o seu chefe de gabinete, dois secretários de Estado, vários adjuntos e uma destacada consultora (paga pelo Banco de Portugal) vêm da Almirante Reis e lá regressarão após o desempenho das funções governativas. Não há memória de uma tal relação simbiótica entre Ministério das Finanças e Banco de Portugal, a qual se tem traduzido também na adopção de posições desejadas pelo banco. Poder-se-ia até falar num Ministério de Portugal.
Dado que nunca o Terreiro do Paço e a Almirante Reis estiveram tão próximos, é oportuno salientar vários pontos onde o poder do Banco de Portugal é evidente ou foi reforçado pela equipa das Finanças.
a) O elemento mais evidente do poder do Banco de Portugal é traduzido na assinatura de Carlos Costa – ao lado da de Vítor Gaspar – nas cartas de intenção enviadas a Christine Lagarde no FMI e a Juncker, Rehn, Draghi na UE. Gaspar e Costa são os responsáveis nacionais perante a troika.
b) Um outro elemento relevante, e também relacionado com o programa de ajustamento, é o papel decisivo do banco central na articulação com o BCE no processo de desalavancagem de crédito da economia portuguesa. É responsabilidade do Banco de Portugal analisar e velar pela estabilidade financeira do país. A meta de atingir um rácio de crédito sobre depósitos de 120% foi definida na Almirante Reis – com Carlos Costa a defende-la, com palavras duras, das críticas de António Borges, antes deste acabar prematuramente o seu mandato no FMI. Uma pesquisa aos comunicados do banco mostra também o papel da instituição no cumprimento de outras metas bancárias, assim como na análise da situação financeira dos bancos.
c) Do ponto de vista de aconselhamento económico, o papel do banco central tem também ganho relevância. É certo que o Banco de Portugal tem tradição na análise económica e financeira do país e na prescrição de políticas. Mas ainda assim é de registar que, nos últimos seis meses, o banco e a sua equipa de economistas entrou publicamente na discussão sobre a desvalorização fiscal, propondo uma redução da TSU para empresas criadoras de emprego e mais recentemente criticou de forma dura a falta de uma linha de acção clara no Governo sobre reformas estruturais, deixando criticas veladasà meia-hora que acaba de cair. Numa outra frente, um recente artigo académico do banco criticou cortes salariais transversais no Estado.
d) Na política orçamental – além de uma ortodoxia de banqueiro central que Vítor Gaspar levou para as Finanças – o Banco de Portugal ganhou também relevância numa outra dimensão. Depois de Carlos Costa ter avançado em Novembro de 2010 com a proposta de criação do Conselho de Finanças Públicas, um ano depois é Teodora Cardoso que sairá do Banco de Portugal para liderar o organismo;
e) Um último ponto onde o Banco de Portugal exerceu o seu poder foi na decisão de não avançar com cortes salariais aos seus trabalhadores, um tema polémico, com a instituição a recusar avançar com o que considera ser uma violação grave da lei laboral, resistindo às pressões de PS, PSD e CDS, e tornando-se uma excepção no Estado.
O poder (e independência) do banco central foi também reforçado em vários posições e decisões recentes do Ministério das Finanças:
a) Questionada sobre as decisões de política salarial no Banco de Portugal, e em particular se houve algum trabalho de conjunto nessa matéria entre o Ministério das Finanças e o banco central, fonte oficial de Vítor Gaspar sublinhou a total independência da instituição. No entender das Finanças, não há sequer espaço para “juízos de valor”:
A aplicação de medidas de austeridade no domínio dos recursos humanos pelo Banco de Portugal deve ser decidida e implementada de forma autónoma pela própria instituição por ser matéria que faz parte das suas garantias de independência. O Ministério das Finanças não pode, por conseguinte, interferir nessa decisão e, muito menos, fazer juízos de valor sobre qualquer decisão tomada a esse respeito.
b) A independência e estatuto singular do banco central foram ainda reforçados por duas alterações legais. Por um lado, na nova Lei orgânica do Ministério das Finanças, o banco de Portugal deixou de ser considerado uma “entidade administrativa independente”, como CMVM ou ISP, para ganhar um estatuto único de “banco central”. A decisão que reforçou a independência do banco, também na decisão sobre cortes salariais. O gabinete de Vítor Gaspar explicou assim a alteração:
O enquadramento jurídico feito para o Banco de Portugal na nova lei orgânica do Ministério das Finanças resulta de uma ponderação das suas funções que não se resumem à regulação e supervisão de um sector financeiro ou mercado específico. Com efeito, o Banco de Portugal, além de ter competências no domínio da regulação e supervisão do sector bancário nacional, tem uma plêiade de funções e competências que transcendem o catálogo típico das entidades administrativas independentes – entre outras, destaca-se a preservação da estabilidade financeira, a implementação da política monetária definida a nível do Eurosistema, em particular através da realização de operações de crédito e detenção de reservas mínimas, operações de mercado para gestão de reservas, gestão do sistema de pagamentos TARGET2 e sistema de liquidação de títulos da dívida portuguesa, supervisão de sistemas de pagamento, produção de notas e representação e subscrição das quotas da República no FMI. Atentas estas funções e competências, o enquadramento do Banco de Portugal no conceito de “entidade administrativa independente” foi julgado redutor, pelo que se entendeu que lhe deveria ser dedicada na nova lei orgânica do Ministério das Finanças uma secção autónoma sob o conceito de “banco central” que parece melhor agregar os elementos específicos e diferenciadores da instituição.
c) Finalmente, um outra alteração legal concretizada esta semana através da publicação da nova lei quadro dos institutos públicos veio fortalecer o entendimento das Finanças relativo à singularidade do Banco de Portugal. Ao eliminar do diploma a referência à instituição como “instituto público de regime especial”, o Governo tornou o banco central numa entidade absolutamente excepcional, não pertencendo nem à administração directa, nem à indirecta, nem ao sector empresarial
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