A inflação de 2011 foi a mais elevada desde 2002. José Miguel Moreira, do Montepio, explica que energia, transportes foram as classes que mais contribuiram para a inflação de 3,7% registada no ano passado. Este ano deverá ficar apenas ligeiramente mais baixa.
Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium BCP, BPI e NECEP (Universidade Católica), isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.
José Miguel Moreira – Departamento de Estudos do Montepio
1. Em dezembro, o índice de preços no consumidor (IPC) registou um crescimento homólogo de 3.6%, desacelerando pela 2ª vez consecutiva (+4.0% em novembro), depois de no mês anterior ter retomado a tendência descendente iniciada em maio, após um longo período de quase 2 anos em ascensão. Note-se, no entanto, que estas recentes diminuições da taxa de inflação ainda só conseguiram reverter cerca de metade do agravamento observado nos dois meses precedentes, que haviam colocado a inflação em máximos desde julho de 2010, e que no mês de outubro tinham refletido, essencialmente, as alterações das taxas do IVA sobre a eletricidade e o gás natural. Em 2011, o IPC registou uma taxa de variação média de 3.7% (+1.4% no ano anterior).
2. Em termos mensais, o IPC estagnou, um registo superior à queda de 0.1% observada no mês anterior, mas inferior ao verificado no mês homólogo do ano anterior (+0.3%), e depois dos fortes acréscimos de 0.8% e 1.1% verificados nos meses de setembro e outubro, respetivamente. A classe do vestuário e calçado foi a que registou o contributo mais intenso e negativo para a variação mensal do IPC (-0.16 p.p.), destacando-se, com sinal contrário, a contribuição da classe do lazer, recreação e cultura, ainda que significativamente menos acentuada (+0.06 p.p.).
3. A inflação homóloga continuou a ser impulsionada, pela classe dos transportes, que manteve-se a evidenciar uma das maiores contribuições, não obstante ter observado uma nova desaceleração do crescimento, de 8.2% para 6.1%, vendo-se ultrapassada pela classe de habitação, água, eletricidade, gás e outros combustíveis, que registou uma desaceleração bem mais modesta (de +10.5% para +10.0%), passando a evidenciar um contributo superior (+1.13 p.p. vs +1.04 p.p., no caso dos transportes). A única contribuição negativa para a variação homóloga do IPC proveio da classe do vestuário e calçado (-0.18 p.p.) cujos preços apresentaram maiores promoções face ao mês homólogo do ano anterior.
4. A taxa de variação homóloga do IPC core (que exclui a energia e os bens alimentares não transformados) foi de 2.3%, revelando neste caso uma aceleração de 0.2 p.p. face ao registo de novembro, contrastando com a desaceleração verificada no IPC geral (-0.4 p.p.), mas mantendo-se num nível bastante inferior à do IPC geral. O diferencial entre a taxa de variação homóloga deste indicador e a do IPC permaneceu negativa pelo 25º mês consecutivo, mantendo-se a evidenciar que as pressões inflacionistas advêm, essencialmente, dos preços da energia. Todavia, a inflação core também não está imune às alterações fiscais que têm vindo a ser efetuadas desde meados de 2010, embora a recente subida do IVA na eletricidade e no gás natural, em outubro, não tivesse afetado esta classe.
5. O índice harmonizado de preços no consumidor (IHPC) registou um ligeiro acréscimo mensal de 0.1%, tendo a sua variação homóloga também desacelerado, de 3.8% para 3.5%, menos que no caso do IPC (-0.4 p.p.), mas mantendo-se num nível inferior. O IPCH português apresenta um crescimento homólogo acima do estimado pelo Eurostat para a Zona Euro (+2.8%), o que acontece desde agosto de 2007, tendo-se assistido a uma diminuição dessa diferença, de 0.8 p.p. para 0.7 p.p.. Em 2011, o IPCH registou uma taxa de variação média de 3.6% (+1.4% no ano anterior).
6. Em termos prospetivos, continuamos a considerar que as atuais pressões inflacionistas assumem um caráter largamente temporário, mas que deverão permanecer elevadas no corrente ano. Com efeito, a inflação no país (medida pela variação homóloga do IPCH) deverá manter-se em níveis elevados em 2012 (+3.2%, de acordo com as últimas previsões económicas oficiais para o país, publicadas pelo Banco de Portugal, no passado dia 10 janeiro), apenas ligeiramente inferiores aos 3.6% observados no ano passado, devendo então posteriormente regressar para níveis mais modestos em 2013, para valores em tornos de 1.0%.
7. Note-se que a evolução das principais determinantes dos preços no consumidor, num contexto de virtual estabilização dos preços das matérias-primas e de crescimentos moderados do preço das importações de bens não energéticos e dos custos salariais (condicionados pelos elevados níveis de desemprego), implicaria uma evolução mais moderada da inflação em 2012. Contudo, a evolução dos preços ver-se-á bastante condicionada por medidas de política orçamental, que determinarão um contributo muito significativo para a inflação no corrente ano, em particular pela reclassificação de alguns bens e serviços sujeitos às taxas de IVA reduzidas para a taxa normal e pelo aumento de preços administrados e de alguns impostos específicos sobre o consumo. Já a contração da atividade económica no país (apontamos para uma queda anual de 3.0% do PIB em 2012, apenas ligeiramente inferior aos -3.1% previstos pelo Banco de Portugal), assim como o abrandamento da economia mundial, traduzir-se-ão numa evolução globalmente favorável dos custos de produção, que, conjugada com a dissipação dos efeitos das medidas orçamentais, justificam a forte diminuição da inflação prevista para o próximo ano.
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