A recessão no terceiro trimestre foi afinal pior que o esperado. José Miguel Moreira, do Montepio, analisa os dados revelados hoje pelo INE, nos quais destaca o desempenho das importações, que cresceram 2,4% em cadeia, apesar da contracção da procura interna, contribuindo assim para a revisão em baixa da queda do PIB face ao trimestre anterior. Bárbara Marques, do Millennium bcp salienta que, em termos homólogos, o sector externo continua a ser o factor que evita uma queda mais acentuada do PIB. A economia contraiu 1,7% face aos mesmos três meses de 2010.
Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium BCP, BPI e NECEP (Universidade Católica), isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.
Bárbara Marques – Gabinete de Estudos do Millennium bcp
1. A estimativa do INE para a evolução do PIB no 3º trimestre revelou uma contração da atividade económica de 1,7% face ao período homólogo, conforme o que havia sido avançado no indicador rápido, no mês passado. Contudo, em termos de variação em cadeia, foi feita uma revisão em baixa de 0,2 p.p. face à primeira estimativa, tendo a economia contraído 0,6% face ao trimestre anterior, um valor mais próximo do avançado pelo nosso Indicador Coincidente (-0,8%).
2. O contributo da procura interna permaneceu negativo (-5,0 p.p.), mas menos acentuado que no 2º trimestre do ano, por efeito da evolução menos negativa do consumo público (-0,4%). O consumo privado e o investimento voltaram a registar variações negativas (-3,3% e -13,7% respetivamente), mas, contrariamente ao esperado, o ritmo de redução da despesa das famílias não se intensificou, pese embora a despesa com bens duradouros se tenha reduzido em 16,5%, com especial incidência nos veículos automóveis.
3. Como esperado, o contributo da procura externa líquida para o crescimento do PIB permaneceu elevado (3,3 p.p.), refletindo uma redução face ao trimestre anterior, por desaceleração das exportações de bens e serviços (mas que mantêm uma taxa de variação elevada, de 6,5%) e uma diminuição menos intensa das importações (diferença percentual entre trimestres de +1,8 p.p.), em parte explicada pela influência de um efeito de base na variação verificada no 2º trimestre de 2011, devido à importação de equipamento militar em 2010.
4. A necessidade líquida de financiamento externo da economia diminuiu face ao trimestre anterior (5,8% do PIB), por efeito da evolução favorável da balança de bens e serviços e de rendimentos primários.
5. Atendendo à evolução negativa do emprego (t.v.h. de -0,8% no 3º trimestre) e ao desempenho sectorial, com as indústrias transformadoras a refletir um abrandamento da atividade no mercado externo e os restantes sectores a apresentarem contributos negativos para o VAB total da economia, a atividade económica no 4º trimestre tenderá a degradar-se. No pressuposto de agravamento das estatísticas a divulgar até final do ano, a nossa estimativa aponta para uma contração média do PIB em 2011 na ordem dos 1,6%.
José Miguel Moreira – Departamento de Estudos do Montepio
1. A estimativa final do INE para o Produto Interno Bruto (PIB) português do 3ºT2011 veio rever em baixa o valor inicialmente avançado, de uma contração trimestral de 0.4% para uma de 0.6%, representando o quatro trimestre consecutivo da economia portuguesa em recessão e tendo o registo do 2ºT2011 sido novamente revisto em baixa, em 0.1 p.p., para uma queda de 0.2%. Em termos homólogos, foi confirmada a quebra 1.7%, após ter descido 1.0% no 2ºT2011, com esta contração do PIB a resultar, segundo o INE, do forte contributo negativo da procura interna. O contributo da procura externa líquida para a variação do PIB continuou positivo, mas de menor magnitude que o observado no trimestre anterior.
2. Analisando em detalhe as variações em cadeia, esta estimativa final confirmou as nossas expectativas relativamente às fortes quedas do investimento em capital fixo (-2.8%), bem como dos gastos públicos, estes últimos, corrigindo parcialmente do acréscimo observado no mês anterior (-1.8% vs +2.4% no 2ºT2011). A surpreender pela positiva esteve o consumo privado, que estagnou quando se esperava uma contração de cerca de 0.3%, das exportações (+2.7%), que cresceram mais do que o que havíamos inicialmente esperado, bem como a variação de existências, que evidenciou um contributo positivo quando havíamos assumido a permanência do contributo desfavorável dos últimos dois trimestres. Mas foram essencialmente os dados das importações que nos terão causado maior surpresa, nesta caso pela negativa, uma vez que, em vez do aguardado ligeiro contributo positivo, acabaram por registar um forte acréscimo (+2.4%), evidenciando um contributo desfavorável de 0.9 p.p., levando a que as exportações líquidas de bens e serviços não tivessem registado um contributo bastante positivo como havíamos previsto, mas antes um contributo nulo. Esta performance das importações é por demais intrigante no quadro de uma redução da procura interna.
3. Não obstante a queda trimestral do PIB no 3ºT2011 ter sido ligeiramente mais intensa do que o anteriormente estimado, bem como a nova revisão em baixa do crescimento do 2ºT2011, reiteramos aqui as nossas previsões para a economia portuguesa para este ano: uma queda de 1.6%, contrastando com a queda anual de 1.9% projetada pela Comissão Europeia. Estas nossas previsões incorporam, para já, uma forte contração de 2% no atual trimestre, decorrente de um conjunto significativo de fatores que afetam a economia portuguesa: i) o aumento do IVA na energia; ii) a sobretaxa que será aplicada ao subsídio de Natal; iii) as expectativas dos agentes face às fortes medidas de austeridade para 2012 inscritas na proposta de OE 2012; iv) o abrandamento ou mesmo contração da atividade em alguns dos nossos parceiros comerciais. Contudo, atendendo a que os dados quantitativos já conhecidos para o atual trimestre se têm revelado menos desfavoráveis do que o anteriormente antecipado (mesmo sabendo que setores como o do comércio a retalho, ver-se-ão especialmente penalizados no mês de dezembro, refletindo a já referida sobretaxa que será aplicada ao subsídio de Natal), não se exclui a possibilidade de o PIB acabar por registar uma queda no 4ºT2011 bem inferior à atualmente por nós admitida. Por exemplo, se o PIB caísse 1.0% no 4ºT2011, a contração anual ficaria em 1.4%.
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