O Negócios publicou ontem um trabalho de balanço sobre mandato de Trichet e os desafios que se colocam a Mário Draghi. Amanhã avançaremos com um perfil mais detalhado do italiano que tomou esta semana o controlo do BCE. Dessas pesquisas recuperamos aqui um artigo académico que Draghi assinou em 2002 (com Francesco Giavazzi e Robert Merton), e que lhe veio a dar muitas dores de cabeça quase dez anos depois, quando concorreu à liderança do banco central.
Em 2002, Mário Draghi foi contratado pelo Goldman Sachs para um cargo de vice-presidente na divisão internacional do banco (Foi aí colega de António Borges, também vice-presidente no Goldman Sachs Internacional, e que é hoje o homem forte do FMI para a Europa). Alguns meses depois da contratação, o italiano assina um artigo com os dois notáveis académicos, um deles prémio Nobel, no qual defendia o uso de derivados financeiros pelos governos como forma de optimizar a gestão da dívida pública (no NBER e aqui em versão gratuita).
Os problemas para Draghi surgiram pelo facto do Goldman Sachs ter sido acusado de fomentar e ajudar a Grécia a esconder o verdadeiro nível da sua dívida pública usando derivados financeiros. Draghi teve mesmo de garantir perante o Parlamento Europeu não ter nada a ver com essas operações, vincando que estas o antecedem a sua entrada no banco de investimento. Contudo, dizem os críticos, as suas posições contribuíam para um ambiente teórico que fomentava o uso (e abuso) destes instrumentos. Em declarações ao El País este fim de semana, Marc Roche, estudioso do Goldman Sachs, vai mais longe e garante que, sendo verdade que as polémicas operações na Grécia são anteriores à entrada de Draghi, foi ao italiano e à sua equipa que cabia o acompanhamento dessas operações ao longo dos anos.
Eis as principais conclusões do artigo que ia tramando Mário Draghi que defendia a utilização de derivados financeiros para evitar crise financeiras:
This paper has analysed specific situations in which significant unanticipated and unintended financial risks can accumulate. We have focused, in particular, on the implicit guarantees that governments extend to banks and other financial institutions, and which may result in the accumulation, often unrecognized from the viewpoint of the government, of unanticipated risks in the balance sheet of the public sector.
Using the structural analogy between guarantees and options we have shown that a government’s exposure to risk arising from a guarantee is non-linear. For instance, in the case of a government which guarantees the liabilities of the banking system, the additional liability transferred onto the government’s balance sheet by a 10 percent shock to the capital of firms is larger the lower is that capital to start with. Recognizing this non-linearity in the transmission of risk exposures is essential to reduce the accumulation of unanticipated risks on the government’s balance sheet.
Finally we have discussed ideas on how risk exposures can be controlled, hedged and transferred through the use of derivatives, swap contracts, and other contractual agreements. In emerging-market economies the domestic financial market typically allows limited diversification of risks. Internal diversification through industrial policy can be inefficient and costly to reverse. In such a situation, diversification through international capital mobility is the obvious alternative.
Over-the-Counter (OTC) derivative contracts provide an appealing, non-invasive alternative way to transfer risk. Equity swaps, executed on a large scale, allow a country to diversify risk without shifting the ownership of assets or otherwise disturbing the domestic financial practices.
Resumido, através de garantias implícitas e explícitas que prestam a empresas e bancos, os Estados assumem riscos orçamentais que não percebem na totalidade. Face a esse mundo incerto, os Governo, especialmente nas economias emergentes, deveriam optimizar a gestão da dívida pública através da utilização de derivados financeiros. Esta seria uma boa receita para evitar crises financeiras.
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