Grécia e Irlanda têm grandes responsabilidades nas dificuldades que hoje enfrentam. A primeira por desdenhar na disciplina orçamental, a segunda pelos abusos financeiros. Devem a si próprias a necessidade de pedir financiamento internacional, que acabou por chegar através de pacotes desenhados pelo FMI e UE. Fizeram-no em seu nome da sua solvência, mas também da sobrevivência do euro.
E assim, em Maio de 2010, a ajuda condicional a fortes medidas de austeridade foi acordada com o governo grego. O mesmo aconteceu com o executivo irlandês no final do ano. Em ambos os casos, com o objectivo de aliviar a pressão dos mercados, de forma a que os respectivos governos pudessem implementar reformas que reequilibrassem as contas publicas e externas.
Mas como é que se mede o sucesso dessas soluções? Aceitando, numa primeira fase, como bons e inevitáveis, os impactos recessivos da austeridade – na esperança que sejam as sementes de uma recuperação mais equilibrada – parece razoável definir como medida de sucesso a evolução das taxas de juro das obrigações dos dois países no segundo mercado.
A primeira linha vertical marca o momento da intervenção na Grécia a 7 Maio. A segunda, a da intervenção na Irlanda a 28 de Novembro. Tanto num caso como no outro, as taxas de juro em mercado secundário continuaram altas ou a subir após as intervenções, reflectindo um forte cepticismo dos investidores quanto ao seu sucesso. E porquê? São várias as possibilidades. Algumas das mais citadas são:
1) as taxas de juro praticadas nos empréstimos da UE e FMI são demasiado elevadas, e estão a agudizar o problema de solvência das economias em dificuldades;
2) o endividamento destes países atingiu um ponto tal que, face as perspectivas da próxima década – crescimento mais baixo e juros mais altos – dificilmente vão sair do buraco em que estão (podendo ser preciso algum tipo de reescalonamento da dívida);
3) a consistência política da Zona Euro abalou a confiança dos investidores que temem que alguma destas economias pondere sair do euro;
4) ninguém acredita na saúde financeira dos bancos europeus depois da perda de credibilidade dos testes de stress do Verão passado, o que torna a aversão a economias em dificuldades ainda maiores
5) Grécia e a Irlanda não adoptaram como suas as boas políticas dos pacotes de ajustamento e, exactamente por isso, por não acreditarem e aplicarem devidamente os pacotes de ajustamento, acabarão por falhar. Aliás os mercados já o estão a sinalizar. E neste caso são culpadas duas vezes: pelo buraco em que se meteram e por não aplicarem convenientemente a receita para sairem da crise.
Bom, esta última hipótese não é das mais frequentemente citadas. Mas isso pode estar para mudar. Esta semana, Teodora Cardoso, administradora do Banco de Portugal, e Teresa Ter-minassian, ex-directora de Assuntos Orçamentais do FMI, esboçaram argumentos nesta linha. Em entrevista ao Negócios, Ter-Minassian não se pronunciou sobre a Irlanda. Mas sobre o sucesso dos programas de ajustamento em geral e sobre as altas taxas de juro na Grécia, diz:
O Fundo suporta poltiicas que entende serem correctas, mas que são dos governos. Todos os programas do fundo que tiveram sucesso têm estas características. Os programas onde não havia comprometimento dos governos acabaram por falhar muito depressa. O que isto mostra é que quem está no volante tem de ser o Governo.
Até certo ponto [as altas taxas de juro] são um reflexo de dificuldades de implementação no programa. Não sigo a Grécia muito de perto, mas em primeiro lugar a situação de partida é muito pior; o ajustamento foi atrasado; e também penso que … há muitas fraquezas institucionais que não facilitaram o ajustamento
Um dia depois, na conferência “Vir o Fundo ou ir ao fundo”, Teodora Cardoso – após vincar a importância dos países adoptarem por si as medidas de ajustamento e de terem a coragem de as defender custe o que custar – é ainda mais assertiva sobre as causas do mau desempenho grego:
A Grécia é exactamente um bom exemplo de um país que não assumiu como seu o pacote de ajustamento
A probabilidade de insucesso do pacote grego é muito elevada desde o início, como se depreende de dezenas de análises publicadas entretanto. Economistas e investidores questionam, por um lado, a viabilidade das altas taxas de juro exigidas pela UE e FMI ao país e, por outro, duvidam da possibilidade de travar o crescimento da dívida publica num cenário de forte recessão. Por isso mesmo, muitos vêm apontando como provável um reescalonamento da dívida, cenário que a Zona Euro sempre negou.
Cerca de um ano depois, essa hipótese está agora em cima da mesa: segundo a Reuters, o Governo alemão já admite a hipótese e fala-se na possibilidade dos empréstimos da UE aumentarem a maturidade para 30 anos, entre outras coisas coisas como redução das taxas de juro UE/FMI ou até das dívidas anteriores.
Se estas hipóteses se confirmarem será, sem dúvida, uma resposta a um falhanço dos pacotes iniciais de ajustamento. Achar que o falhanço é grego ou irlandês, é que já é mais discutível.
- Carlos Costa e o colapso do BES. Negligente ou injustiçado? - 23/03/2017
- Os desequilíbrios excessivos que podem tramar Portugal - 21/03/2017
- A década perdida portuguesa em sete gráficos - 15/12/2016