Portugal terá cumprido em 2010, com grande dificuldade e a imaginação do passado, o défice orçamental a que se propôs. Entre os factores que terão contribuído para as dificuldades que emergiram no final do ano esteve uma suposta derrapagem da despesa no ministério da Saúde. Pelo menos essa é a avaliação que corre entre muitos dos que acompanham as contas públicas, nomeadamente no Terreiro do Paço – a base do Ministério das Finanças.
O problema é que é exactamente essa derrapagem que o ministério da Saúde tem vindo a desmentir insistentemente. Mês após mês, a equipa de Ana Jorge contraria as noticias que se sucedem com base nos números que a Direcção Geral do Orçamento (DGO) do Ministério das Finanças vai apresentando. Teixeira dos Santos não responde.
O resultado é uma intoxicação de informação alimentada pelos dois ministérios que descredibiliza as contas orçamentais de um dos seus serviços mais importantes do Estado. A última semana foi mais um exemplo.
Dia 20 de Janeiro: Boletim da DGO dá conta de um aumento da despesa na Saúde de 10,3% em 2010, o qual ditou numa degradação do saldo orçamental do SNS (no mesmo relatório, dados do ministério da Saúde, que analisam o período Jan/Set dão conta de um aumento de 8% na despesa).
Dia 25 de Janeiro: Óscar Gaspar, secretário de Estado da Saúde, contraria o ministério das Finanças e diz que, nas suas contas, não há qualquer derrapagem. Ao Negócios garante que o crescimento da despesa foi de 0,4% (descontando uma alteração contabilistica referente à ADSE). Valor que repetiu no Parlamento, juntamente com Ana Jorge: a ministra e os seus secretários de Estado garantiram, inclusivé, que o défice do SNS baixou de 337 milhões de euros em 2009 para 212 milhões de euros em 2010, valores que a oposição contestou de forma dura.
Nota: O Negócios escreve hoje que a equipa da Saúde levou ao Parlamento dados em contabilidade nacional – a que é usada para reportar a Bruxelas – algo que nem ministério das Finanças ou DGO fazem, pois esses valores são apurados até final de Março por uma equipa tripartida do INE, BdP e DGO. A incerteza sobre estes dados é, por isso, grande: não só porque precisarão de validação de Bruxelas, como porque as contas do SNS, devido aos hospitais EPE, são muito afectadas pela passagem de contabilidade pública (a da DGO) para a Nacional.
Mas esta não foi a primeira vez que Finanças e Saúde apresentaram dados diferentes. No mês passado quando o ministério das Finanças apresentou contas, o ministério da Saúde reagiu.
20 de Dezembro: Boletim da DGO dá conta de um aumento da despesa no SNS de 7,5% entre Janeiro e Novembro.
Um dia depois: Ana Jorge dá uma conferência de imprensa em que garante que não há descontrolo orçamental, e afirma a previsão de um défice orçamental no SNS de 200 milhões de euros em 2010, como se havia comprometido anteriormente.
Nota: Ana Jorge reconhece, nessa altura, que há um problema de subfinanciamento na Saude e volta a a referir, sem especificar, um problema de incompatibilidade entre os dados do seus ministério e os do ministério das Finanças. Em Novembro a ministra recusa divulgar valor das dívidas totais do SNS no Parlamento.
As desavenças orçamentais entre Ana Jorge e Teixeira dos Santos vêm desde há alguns meses, e agudizaram-se num confronto nas páginas de jornais em Setembro, com o primeiro a pedir mais rigor, e a segunda a defender a actual gestão do SNS. Desde então, nasceu um guerra de números, como se os ministros andassem a brincar às contas do SNS. Desde então, ninguém se entende.
- Carlos Costa e o colapso do BES. Negligente ou injustiçado? - 23/03/2017
- Os desequilíbrios excessivos que podem tramar Portugal - 21/03/2017
- A década perdida portuguesa em sete gráficos - 15/12/2016