Reacção dos economistas: PIB revisto em alta não gera mais optimismo

31/08/2016
Colocado por: Nuno Aguiar

Centeno

 

Os dados publicados quarta-feira pelo INE reviram em alta a previsão de crescimento económico para o segundo trimestre do ano, de 0,8% para 0,9% (homólogo) e de 0,2% para 0,3% (em cadeia). A notícia é boa, mas mantém o PIB longe do crescimento esperado pelo Governo: 1,8%. Os economistas também não ficaram mais optimistas com esta ligeira revisão.

 

Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium bcp, BPI, NECEP (Universidade Católica) e IMF, isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.

 

Núcleo de Estudos de Conjuntura da Economia Portuguesa (NECEP) da Universidade Católica

 

1 – No 2º trimestre de 2016, o PIB cresceu 0.3% em cadeia, ligeiramente acima dos dois registos anteriores (0.2%) mas mantendo uma leitura alinhada com a dinâmica de crescimento recente. O PIB voltou a crescer 0.9% em termos homólogos (tal como no 1º trimestre) e apenas 1.1% no ano terminado no 2º trimestre de 2016, isto é, abaixo do registo anterior (1.3%) e da média de 2015 (1.5%).

 

2 – A ligeira melhoria do crescimento trimestral do produto está associada ao melhor comportamento das exportações que regressaram a uma trajectória alinhada com a respectiva dinâmica (variações em cadeia de 1.3% e homóloga de 1.5%). As importações continuaram a crescer a ritmo próximo de 1% ao trimestre pelo que o contributo da procura externa líquida para a variação em cadeia (real) do PIB foi ligeiramente positivo (0.1 pontos percentuais, p.p.), fruto da dinâmica mais favorável das exportações. Já o contributo, também positivo, da procura interna (0.2 p.p.) resultou de uma combinação entre consumo privado, consumo público e variação de existências (contributos semelhantes e próximos de 0.1 p.p.) se bem que haja sinais de aceleração do consumo público (variação em cadeia de 0.3%) face ao privado que está praticamente estagnado (0.1%).

 

3 – O principal sinal de preocupação continua a ser oriundo do investimento em capital fixo que contraiu 0.1% em termos reais e 0.9% em termos nominais face ao trimestre anterior. Desta forma, observam-se deflatores negativos nesta importante componente da despesa, o que dificulta a leitura da evolução real da economia reportada pelo INE. Aliás, a presença de crescimento real inferior ao nominal estende-se às exportações e ao próprio PIB que contraiu 0.1% em valor face ao trimestre anterior, se bem que mantendo um deflator homólogo positivo. Há, ainda, a reportar o deflator homólogo negativo das importações (5%) que parece reflectir importantes efeitos cambiais e de preços, designadamente relacionados com o petróleo.

 

4 – Em suma, os dados hoje conhecidos das contas nacionais do 2º trimestre originam mais dúvidas do que certezas, quer pela forma como o crescimento está a ser suportado (mais consumo, menos investimento), quer pelo andamento diferenciado que, por vezes, se observa entre o comportamento da mesma variável expressa em valor ou em volume, num quadro de inflação muito baixa. Um bom exemplo é a balança de bens e serviços que é ligeiramente positiva em termos nominais (equivalente a 0.2% do PIB) mas negativa em termos reais como resultado de quedas de preços mais expressivas nas importações face às exportações que amplificam, de forma muito evidente em termos homólogos, o crescimento em volume da primeira variável, anulando parcialmente a evolução das exportações e o associado impacto no PIB.

 

5 – Estes dados são consistentes com o cenário central, do Necep, para o crescimento real do PIB em 2016 (0.9%).

 

José Miguel Moreira – Montepio

 

1 – A estimativa final do INE para o PIB de Portugal, no 2.º trimestre, apontou para um crescimento, em cadeia, de 0.3%, ligeiramente acima dos 0.2% observados nos dois trimestres anteriores, representando, assim, uma revisão marginal, em alta, face ao acréscimo de 0.2% reportado na estimativa inicial, o qual, recorde-se, tinha saído aquém da mediana das projecções das instituições contactadas pela Bloomberg (+0.3%) e das nossas perspectivas ligeiramente mais optimistas (entre +0.4% e +0.6%). Tal como referido aquando da estimativa inicial, as nossas perspectivas terão sido contaminadas pelos dados do lado da oferta, com o crescimento do VAB agora reportado (+0.4%) a ser superior ao do PIB e mais em linha com o que tínhamos estimado (teoricamente o VAB e o PIB são a mesma realidade, mas, na prática, há discrepâncias entre as duas medidas), depois de, no 1.º trimestre e, contrariamente ao PIB (+0.2%), ter estagnado.

 

2 – Na óptica da procura, os dados revelam que a economia foi suportada tanto pela procura interna, como pelas exportações líquidas, neste último caso refletindo, como esperado, um crescimento das exportações superior ao das importações, com a principal surpresa face às nossas estimativas iniciais a vir do lado da procura e, em concreto, do consumo privado e do investimento em capital fixo (FBCF), com o primeiro a ter acabado por registar um ligeiro acréscimo (quando se estimava uma ligeira descida) e o segundo (FBCF) a registar um decréscimo marginal, revelando um resultado ainda mais desfavorável do que o que tínhamos admitido aquando da 1.ª estimativa (nessa ocasião passamos a apontar para um crescimento bem inferior ao até então admitido), apesar de assentar sobre dados ligeiramente revistos em alta. Ainda assim, o investimento total acabou por subir, reflectindo o contributo positivo da variação de existências.

 

3 – Assim, a procura interna apresentou um contributo positivo de 0.2 p.p. para o crescimento, em cadeia, do PIB no 2.º trimestre, depois de já ter apresentado contributos positivos nos dois trimestres anteriores (+0.6 p.p. no 1.º trimestre e +0.2 p.p. no 4.º trimestre de 2015), reflectindo crescimentos do consumo privado, do consumo público e do investimento total. O consumo privado subiu 0.1%, em desaceleração (+1.0% no trimestre anterior, revisto em baixa em 0.3 p.p.) e apresentando um contributo de 0.08 p.p. para o crescimento do PIB (+0.7 p.p. no 1.º trimestre), ao passo que o consumo público cresceu 0.3%, ao mesmo ritmo do trimestre anterior e apresentando também um contributo positivo de 0.05 p.p. e o investimento total subiu 0.7%, mais do que revertendo a queda do trimestre anterior (-0.6%, revisto dos anteriores -0.7%) e apresentando um contributo positivo de 0.12 p.p. para o crescimento em cadeia do PIB. A subida do investimento total reflectiu apenas a variação de existências, que apresentou um contributo positivo de 0.1 p.p. (em rigor, +0.13 p.p.), depois de um contributo nulo no trimestre anterior, num contexto de ligeira queda do investimento em capital fixo(FBCF), que contraiu 0.1% (-0.7% no 1.º trimestre, revisto dos anteriores -1.0%), apresentando um contributo praticamente nulo (-0.01 p.p.). As exportações líquidas também apresentaram, como referido, um contributo positivo, de 0.1 p.p., depois de terem apresentado um contributo negativo de 0.4 p.p. no trimestre anterior (revisto dos anteriores -0.6 p.p.), com este resultado a reflectir, como esperado, um acréscimo das exportações (+1.3% vs +0.1% no 1.º trimestre, revisto dos anteriores -0.5%) superior ao das importações (+1.1% vs +1.0% no trimestre anterior, revisto dos anteriores +0.8%). Note-se que as exportações tinham sido bastante condicionadas, no 1.º trimestre, pela queda das exportações para Angola e para a China (por exemplo, carros da Autoeuropa, neste caso), mas também pelas greves dos trabalhadores da refinaria de Sines realizadas ao longo do trimestre, cujo efeito negativo terá sido em grande parte revertido no 2.º trimestre.

 

4 – Previsão de crescimento para 2016: mantemos previsão de 1.0%, depois de a termos revisto em baixa em 0.2 p.p. aquando da estimativa inicial do PIB do 2.º trimestre

 

5 – Reflectindo o facto de os dados do PIB terem ficado aquém do esperado, em 12 de Agosto, aquando da divulgação da estimativa inicial do PIB do 2.º trimestre, revimos, em baixa, o crescimento de 2016 de 1.2% para 1.0%, revisão que agora confirmamos (não obstante a estimativa final ter vindo apontar para um crescimento em cadeia do PIB ligeiramente superior ao anteriormente reportado), atendendo, designadamente, à manutenção de alguns riscos descendentes, dado que se admite que o crescimento médio, em cadeia, do 2.º semestre (+0.35%, sensivelmente o mesmo que antecipamos para a Zona Euro) deverá ser superior ao do 1.º semestre (+0.26%). Mantemos o crescimento médio anual de 2017 em 1.6%. A nossa previsão de crescimento para 2016 (+1.0%) está agora em linha com os 1.0% previstos pelo FMI (30 de Junho), mas mais afastada dos 1.3% previstos pelo BdP (8 de Junho), dos 1.5% previstos pela Comissão Europeia (3 de maio) e afasta-se, ainda mais, dos 1.8% previstos pelo Governo no OE-2016 (30 de Março). Note-se, que o Governo admitiu, em 18 de Julho, em carta enviada à Comissão Europeia, um cenário “alternativo” [ao do OE 2016] com crescimento de 1.4%. A economia deverá voltar a ser suportada apenas pela procura interna, antecipando-se que o consumo privado cresça cerca de 1.9% e prevendo-se que a FBCF praticamente estagne, depois de ter crescido uns robustos 4.1% em 2015, enquanto as exportações líquidas deverão apresentar um contributo ligeiramente negativo e a variação de existências e o consumo público, contributos sensivelmente nulos, embora, no último caso, se antecipe algum crescimento.

 

Paula Carvalho – economista-chefe do BPI

 

1 – Apesar da boa notícia, de revisão em ligeira alta do comportamento da actividade económica no segundo trimestre de 2016, é um facto que a economia mantém um ritmo de crescimento baixo, inferior a 1% na primeira metade do ano. Por ora mantemos a nossa previsão relativamente ao crescimento anual, de 1.3%, dado que os efeitos de base serão mais favoráveis no segundo semestre, antecipando-se uma aceleração, ainda que ligeira.

 

2 – Analisando o detalhe, o destaque continua a ir para o investimento, sobretudo em capital fixo, que contraiu pelo segundo trimestre consecutivo (-3.1% y/y), sendo de assinalar a quebra do investimento em maquinaria e equipamento para além da construção. Destacam-se ainda a aceleração da despesa pública e, em sentido contrário, do consumo privado, sinalizando a pouca sustentabilidade dos níveis elevados recentes de crescimento no consumo de bens duradouros.

 

3 – Em termos globais, salientamos o ritmo de crescimento fraco e a aparente incapacidade de a economia retirar partido do prolongado período de preços do petróleo muito baixos, taxas de juro em mínimos históricos e bom ritmo de crescimento dos dois principais parceiros comerciais, Espanha (que cresce acima de 3% há vários trimestres consecutivos) e Alemanha. O processo de desalavancagem, que avança a bom ritmo em alguns sectores, continua a pesar nesta dinâmica. Para além deste factor e de outros de natureza exógena, não controláveis, este registo salienta a importância de medidas que possam impulsionar o investimento (minado, por exemplo, pelos baixos capitais próprios e elevados níveis de endividamento) e reforçar a confiança do sector empresarial. Evidencia também, a necessidade de aposta convicta no reforço do capital humano. Relembramos que é no grupo de indivíduos com qualificações mais baixas que se observam as maiores taxas de desemprego.

 

Filipe Garcia – Informação de Mercados Financeiros (IMF)

 

1 – Trata-se do quarto trimestre consecutivo em que o crescimento em cadeia é positivo, mas fraco, sempre entre 0.1% e 0.3%. Portanto, estamos perante um cenário que caracteriza o que tem vindo a acontecer à economia portuguesa: crescimento muito reduzido, com a economia a ir desacelerando desde meados do ano passado.

 

2 – O modelo de crescimento baseado na ideia de tentativa de promoção do consumo privado está a mostrar as suas limitações, mesmo num contexto de vendas fortes no sector automóvel no semestre, aumento na concessão de crédito, o turismo muito dinâmico e actividade na área da reabilitação de imobiliário. Os efeitos de rendimento decorrentes da queda de petróleo e das taxas de juro e da reposição de remunerações parecem já se ter dissipado. Mesmo o aumento de crédito concedido às famílias não está a provocar a aceleração da procura interna.

 

3 – A redução “expressiva” do investimento, num contexto de crescente oferta de crédito e taxas de juro muito baixas, é um sinal claro de que a confiança dos empresários portugueses continua muito baixa.

 

4 – O número só não é mais desapontante porque se deu também uma desaceleração na zona euro, embora Portugal beneficie de uma Espanha relativamente pouco afectada pela crise política. Este crescimento baixa coloca desafios ao desempenho orçamental e poderá levar à implementação de medidas fiscalmente restritivas no segundo semestre e em 2017. Para o conjunto de 2016, pensamos que o PIB poderá crescer, no máximo, 0.8% a 0.9%, com riscos de revisão em baixa.

 

Nuno Aguiar