A inflação de 4% e a relevância do Fórum de Sintra

27/05/2014
Colocado por: Rui Peres Jorge
Fórum de Sintra

Fórum de Sintra

 

Termina hoje em Sintra um encontro de dois dias que debate os principais desafios que se colocam à política monetária internacional e que conta com os mais altos responsáveis do BCE e FMI, vários governadores de bancos centrais e muitos economistas que nos últimos anos têm marcado o pensamento sobre a actividade dos banqueiros centrais e das políticas monetárias e financeiras.

 

Sendo a estreia do BCE na organização de uma grande conferência internacional deste tipo, ainda permanece uma incógnita a influência do Fórum de Sintra – que pretende complementar deste lado do Atlântico a reflexão que anualmente, no final de Agosto, ocorre em Jackson Hole nos EUA. A experiência norte-americana aconselha a que não se desvalorizem estes encontros informais que juntam, em ambiente prazenteiro, alguns dos homens (e muito poucas mulheres) mais poderosos do mundo, seja pela força das suas ideias, seja pela sua capacidade de influenciar a vida de cada um de nós com as suas decisões. Vejamos alguns exemplos.

 

 

Foi por exemplo em Jackson Hole que, em 2005, Raghuram Rajan, agora governador do banco central da Índia, chamou a atenção para os riscos que a inovação financeira (incluindo os polémicos CDS e as estruturas de incentivos e bónus na banca) estavam a impor à economia global. O seu artigo (apresentado no ano de despedida de Alan Greenspan da Fed) foi na altura prontamente desvalorizado por vários colegas. No entanto, poucos anos depois, com a implosão financeira iniciada em 2007, o trabalhou consagrou-o como um dos nomes prescientes entre a elite financeira mundial, como evidencia este artigo de 2009 do Wall Street Journal.

 

Mais recentemente, em 2012, um outro “paper” apresentado em Jakson Hole, desta feita de Michael Woodward (reconhecido como um dos maiores especialistas em política monetária no mundo), defendeu que estando a Fed com as taxas de juro já próximas de zero, Ben Bernanke deveria procurar estimular a economia através de uma garantia explícita de manutenção de taxas de juro baixas por um longo período de tempo e condicional ao andamento não só dos preços mas também da economia.

 

Não foi bem isto que a Fed fez nos meses seguintes, mas quase. Ou seja, Ben Bernanke nunca assumiu como objectivo o PIB nominal – de resto uma proposta antiga e polémica entre especialistas – mas avançou com uma indicação futura (“forward guidance”) para a evolução das taxas de juro da autoridade monetária, prometendo que as manteria baixas enquanto a taxa de desemprego não baixasse substancialmente. (esta peça da Bloomberg dá uma ideia da influência das ideias de Woodward e do paper de 2012, de resto assumida desde cedo pelo próprio Ben Bernanke)

 

Em debate estiveram em Sintra estiveram, por exemplo:

 

1) O ritmo adequado de redução dos estímulos concedidos pelos bancos centrais ou, dito de outra forma, como começar a subir as taxas de juro assim que a economia estabilize – isto sem a destabilizar novamente ou criar excessiva turbulência noutras partes do globo (como aconteceu no inicio do ano com a Fed e os mercados emergentes). Christine Largarde, por exemplo, defendeu a importância de coordenar políticas a nível internacional, logo a abrir o encontro.

 

2) No caso europeu, onde se enfrenta o risco de uma saída da crise marcada por estagnação e inflação baixa, a atenção estará centrada nas possíveis políticas a seguir pelo BCE. O primeiro dia do encontro ficou aliás marcado pelos debate em torno da urgência de garantir que o crédito chega às empresas, especialmente nas economias sob stress, como a portuguesa. Essa parece ser a prioridade em Frankfurt e a área em que provavelmente se poderão esperar mais novidades nas próximas reuniões do BCE. (Este paper de Markus Brunnermeier, propondo a dinamização de um mercado para dívida titularizada de empresas, fica como uma das propostas de que ainda poderá ouvir falar).

 

3) O último dia do encontro ficou marcado pelo debate em torno de uma ideia polémica, que não ganha adeptos junto dos banqueiros centrais, mas que poderá lentamente fazer o seu caminho: um aumento da meta de inflação dos bancos centrais de 2% para 4%, proposto pelo prémio Nobel Paul Krugman.

 

O tema parece árido, mas a diferença na carteira de cada um pode ser grande. Por exemplo, os que têm poupanças não gostam de inflação, pois o seu dinheiro vai perdendo valor à medida que o tempo passa e as taxas de juro reais (as nominais descontadas da inflação) serão menores. E quando maior a inflação, maiores as perdas. Pelo contrário, para os devedores quanto maior a inflação, menor o valor da dívida ao longo do tempo).

 

Inflação de 4%. Para quê?

 

O que Krugman veio dizer a Sintra não é novo. Olivier Blanchard, o economista chefe do FMI, introduziu o tema no debate logo em 2010, num artigo em que explorou reflexões sobre novos caminhos para a política macroeconómica. E mais recentemente Lawrence Ball, professor nos EUA, veio defender o mesmo. A ideia central é a de que a de que as taxas de juro baixas (e a inflação baixa) podem ser boas para tempos normais mas, quando uma crise bate, os bancos centrais precisam de mais margem de manobra para estimular as respectivas economias.

 

Ou seja, imagine que a taxa de inflação é de 2% e a taxa de juro nominal é de 3%. Neste caso, a taxa de juro real (taxa nominal menos a inflação) na economia é de 1%. No meio de uma recessão as autoridades monetárias precisam de estimular a economia, o que significa baixar juros. Neste cenário o banco central só pode cortar a taxa (nominal) em três pontos (de 3% para 0%), ficando limitado. Isto traduz uma taxa de juro real de -2% no máximo (assumindo que a inflação fica nos 2%, o que é improvável).

 

Ora, se à partida a taxa de inflação fosse de 4% e a taxa de juro nominal fosse de 5%, a economia entraria na crise com a mesma taxa de juro real de 1%. Mas o banco central teria ao seu dispor mais margem de manobra: poderia cortar aos juros em 5 pontos e, admitindo a manutenção da taxa de inflação, impor uma taxa de juro real de -4%.

 

Krugman argumenta que as razões para considerar uma taxa de inflação de 4% são hoje maiores do que antes, especialmente na Zona Euro. E apresenta três razões:

1) Por um lado, as economias avançadas enfrentam o risco de um longo período de crescimento, inflação e taxas de juro baixas. Nesse cenário os riscos de cair na chamada armadilha da liquidez que os taxas de juro estão em 0% é maior;

 

2) Em segundo lugar, e esta preocupação é especialmente importante na Zona Euro, uma taxa média de inflação mais elevada permitiria ajustamentos salariais reais mais rápidos (ou seja, mesmo sem cortar salários em termos nominais, o seu valor cairia a um ritmo mais elevado em termos reais). Isto sem impor processos deflacionários graves nas economias da periferia que são também as mais endividadas;

 

3) Finalmente, entende que a experiência recente mostra a facilidade com que as economias caem numa “armadilha económica e política” em que se gera uma complacência perigosa para com uma situação de inflação e crescimentos baixos – que afecta a própria credibilidade dos bancos centrais.

 

A proposta, como seria de esperar, não convenceu muitos dos presentes, com destaque para Otmar Issing, ex-economista-chefe do BCE e visto como a consciência alemã da política monetária europeia – extremamente avessa a aumentos de preços. Issing destacou a volatilidade associada a mais inflação e as perdas de bem de estar, como destacamos aqui.

 

O Fórum do BCE termina terça à tarde com uma intervenção de Mario Draghi. Para o ano há mais, em Sintra. O tempo ajudará a fazer o balanço da edição deste ano.

 

 

 

 

Rui Peres Jorge


2 comentários em “A inflação de 4% e a relevância do Fórum de Sintra

  1. xxx diz:

    O que Krugman vem dizer é que devemos criar dinheiro do ar e gasta-lo em importações aumentando os balanços das entidades bancarias novamente com credito mal parado juntamente com a criação de novas bolhas, quer nos mercados bolsistas quer no imobiliário, financiadas pelos juros negativos do BCE. Ou seja, a mesma receita que vemos nos EUA e que de resto os esta a levar a um buraco que nem eles sabem como sair. É interessante de ver que a inflação nos EUA começa a entrar neste momento numa espiral crescente e que é só a China (principalmente) e outros países deixarem de importar inflação via dólar que iremos assistir ao ruir do castelo de cartas mais perigoso alguma vez criado na economia dos EUA. Krugman e os EUA são como aquela frase “a miséria adora companhia”.

  2. xxx diz:

    Nota rápida – o nosso problema tal como o americano não é de consumo mas sim de produção ou falta dela.

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