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  No dia de Natal, aqui há coisa de duas semanas, enquanto muitos dos que agora clamam “je suis charlie” atendiam à data com a publicação no facebook de fotos de mesas bem compostas e muita f..." /> Nunca hão-de ser “charlie” - Variação Contínua - Record

Variação Contínua

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Nunca hão-de ser “charlie”

8 Janeiro, 2015 1396 visualizações

 

No dia de Natal, aqui há coisa de duas semanas, enquanto muitos dos que agora clamam “je suis charlie” atendiam à data com a publicação no facebook de fotos de mesas bem compostas e muita felicidade, dois carros armadilhados explodiram no mercado de Dura, em Bagdad. Morreram 35 pessoas. Não houve manifestações, vigílias, muito menos o clamor “je suis iraquien”. No dia seguinte também não houve capas de jornais que não se vendem com bonitas e expressivas homenagens, declarações de princípios, nobreza e exaltações à liberdade.

 

“Aquela chatice lá dos árabes” já faz parte. 35 no dia 25 de dezembro de 2014; quase 7 mil mortos desde 2013; isso são números, tal como o são as centenas de milhar de vítimas da guerra na Síria, sem que alguém tenha vindo dizer ou desenhar “je suis syrien”. Podia ser exemplo do esplendoroso pensamento estalinista, aquela diferença entre tragédia e estatística, mas não é.

 

A esmagadora maioria dos “je suis charlie” que sugaram o martírio daqueles 12 mortos em Paris não quer saber dos jornais, dos jornalistas. Olha-os com indiferença, ódio, desprezo. Mas o “death trend” ditou leis: atenção!, somos todos solidários e a favor da liberdade de expressão e contra o terrorismo e a favor dos jornais e dos jornalistas. Fica bem, faz parte. Mais ainda quando os maus vêm fazer maldades no nosso quintal.

 

 Se por hipótese absurda e macabra fosse agora possível perguntar aos jornalistas/cartoonistas assassinados o que pensavam sobre o “je suis charlie” talvez estes, a meio da resposta, dissessem qualquer coisa sobre o número de exemplares vendidos por semana (30.000) e como trabalhavam na expectativa de chegar a mais leitores/compradores, talvez, num ano excepcional, aos 35.000.

 

Voltamos aos números? Pois parece que é tendência actual para tudo e mais alguma coisa, mas o que espanta até um cínico como o responsável por este blog é este unanimismo hipócrita; reles até, por comparação, num exemplo básico, aos momentos de exaltação do líder da Coreia do Norte.

 

Se os “je suis charlie” o fossem, na essência, o Charlie Hebdo tinha muito mais compradores e leitores; se os “je suis charlie” o fossem verdadeiramente, os jornais não ficariam amontoados nas bancas; não seriam apelidados de jornais bons e jornais maus, estes então, e quem lá trabalha, não seriam entendidos como “a jeito” e merecedores de uma qualquer limpeza similar. Se os “je suis charlie” o fossem, a sério, nunca os jornalistas seriam entendidos como a encarnação do Diabo. Principalmente quando dão notícias que não agradam.

 

Mas os “je suis charlie”, na esmagadora maioria, não querem saber de nada disto e muito menos dos jornais. Um boneco bonito na timeline, talvez até com caracteres árabes, uma nova foto de perfil ou de capa e está a coisa despachada.

 

Amanhã, todos os dias que se aproximam, em liberdade, os “je suis charlie” vão continuar a deixar o papel nas bancas, postando mais uma foto de um gatinho, debitando, também com um português abaixo da antiga 2ª classe, umas sabedorias digitais em menos palavras do que um tuityfod@-se qualquer ou, o mais óbvio, matando os jornalistas e os jornais. Não com uma kalashnikov, que isso é coisa de terroristas, mas com indiferença, desprezo, ódio. Para que diabo precisam ou querem aqueles pedaços de papel pelos quais ainda têm de pagar? 

 

O alívio de consciências segue pelo preço de um “je suis charlie”, debitado sobre o sacríficio de 12 seres humanos. Estatística trágica, logo emocional, algo em que Estaline não pensou.