A verdadeira idade
O meu amigo Xangai (nome fictício) tem duas grandes paixões na vida: os cães e o futebol. Bom, não é bem o futebol, como jogo, mas o seu clube. Curiosamente, não é adepto de nenhum dos grandes – sim, existem pessoas adeptas de outros clubes – mas de outro emblema, hoje em desgraça depois de há uns anos ter espantado a Europa por vestir umas camisolas esquisitas. Como eterno enamorado pelo seu clube, não perde uma ocasião de falar mal do rival azul-e-branco, embora o rival nem se lembre que ele, o seu clube, ainda existe.
O meu amigo Xangai, contava eu, é um daqueles sujeitos sempre bem dispostos, dos quais toda a gente gosta, aquilo a que os brasileiros chamam um “cara legau”. Mestre da retórica, sempre com fina ironia, gosta de contar piadas e histórias engraçadas, muitas vezes de difícil compreensão.
Já não estamos juntos muitas vezes, por questões profissionais, mas as novas tecnologias permitem-nos anular a distância e ir mantendo contacto com regularidade. Ligamos, muitas vezes sem grande coisa para contar, só para “conversa da tanga”, normalmente até eu perder a paciência para a sua ironia.
Ligou-me esta semana o Xangai, por nada de especial, basicamente só para chatear.
– E então, tudo bem? É só para te lembrar que esta semana deves dar-me os parabéns.
– Parabéns por que motivo? Não fazes anos.
– É o meu cão, o Xadrez, faz 88 anos.
Pronto, lá vamos nós outra vez, pensei. Lembrei-me do Xadrez, um dalmata lindo, agora já velhote mas, mesmo sem fazer contas, sem 88 anos.
– Vá, já vi que queres conversa mas está bem. Então explica lá, porque o Xadrez, mesmo em idade dos cães, não pode ter essa idade.
– Claro que é em idade dos cães, mas tem, faz 88.
– Epá, o teu cão deve ter uns 12 anos, isso em idade humana dá uns 60 e não 88.
– 12 anos de um cão dá 64 de uma pessoa.
– Então, não são 88.
– Tenho o cão desde 2001 mas lembras-te daquele outro, branco aos quadrados pretos, que me deram em 1999?
– Não eram quadrados, eram manchas. Sim, lembro-me, aquele que só foi teu durante um dia porque a tua mulher não o quis em casa.
– Esse mesmo. Ora, esse cão chamei-lhe Xadrez e foi meu em 1999. Depois comprei o dalmata, em 2001. É só fazeres as contas.
– Epá, não tenho agora paciência para contas.
– Eu digo-te. Dois anos do primeiro cão dá 24 humanos, mais os 64 do dalmata, dá 88, certo?
– A conta está certa mas, estás maluco? Não é o mesmo cão.
– Como não é o mesmo cão? É preto e branco e chama-se Xadrez…
– Mas estás à espera que eu acredite nisso?
– Porque não? Há muita gente que acredita…
O xadrez é parecido com este.