Não lhe exijam o céu
Os Pirenéus e os Alpes são tramados. Se quisermos ser ainda mais básicos, ambos podem oferecer no mesmo dia variações de temperatura e humidade que fariam as delícias dos climatólogos que vimos nascer em Portugal durante a “Copa” brasileira. Isso e a hora do início de uma qualquer etapa da Volta à França – aí pelo meio dia e talvez com 30 graus, terminando uns 200 quilómetros depois, sob forte chuvada e com o termómetro registando 4 ou 5 graus, às vezes menos. Sem esquecer, agora para especialistas em condição física, terapeutas e assim, que essa etapa de 200 quilómetros pode ser a segunda em dois dias consecutivos, ou até a primeira de três idênticas.
Resulta inócuo, já o sabemos, comparar desportos tão diferentes como o ciclismo ou o futebol, pelo que o parágrafo anterior é apenas desculpa para lembrar que o Tour começa neste sábado 5 de julho. Pois. Ainda agora entrámos nos “quartos” do Mundial; haverá muita táctica e não menos técnica para sábias dissertações, mas as próximas 3 semanas vão trazer-nos histórias de resistência física, não menor resiliência, dramatismo e até orgulho nacional por via dos 5 ciclistas portugueses presentes no pelotão. Tese menos bem intencionada até podia encontrar pontos de contacto entre o início da maior prova do ciclismo de alta competição e o dia anterior à goleada de Salvador. A Selecção queria “passar aos oitavos” e tinha “o melhor do Mundo”; os portugueses só querem terminar o Tour e entre eles está Rui Costa, campeão do Mundo, que visa “apenas” classificação final no top-10. Falta de ambição, dirão alguns.
A analogia, forçada, esgota-se porém no próprio enunciado. É possível que Rui Costa, como disse Miguel Indurain na entrevista ao RECORD, ainda tenha de “aprender a liderar” e, sendo o primeiro ano como chefe-de-fila, esse acabe por ser mais um obstáculo. Se descontarmos a incompreensível lógica de comunicação do ciclista da Lampre (entrevista exclusiva a obscura revista trimestral, a sério?!!!), a verdade é que os 28 anos de Costa não diferem dos 28 de Froome, Roche ou Delgado quando venceram o Tour pela 1.ª vez. O campeão do Mundo já provou que é ciclista inteligente a competir e não receia a montanha nem o contrarrelógio. Precisará então de equipa solidária e muita resiliência. O “low profile” face a estrelas como Froome, Contador ou “Purito” Rodriguez até pode ser vantagem. Só não lhe exijam o céu.