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O Mundial já acabou e, no final, a festa foi alemã. Não se pode dizer que tenha sido uma grande surpresa, embora esta fosse a primeira vez que uma selecção europeia conquistou o título em solo am..." /> — ler mais..

O Mundial já acabou e, no final, a festa foi alemã. Não se pode dizer que tenha sido uma grande surpresa, embora esta fosse a primeira vez que uma selecção europeia conquistou o título em solo am..." /> Olhos de ver - Record

Olhos de ver

Os brasileiros ?descobriram? Scolari e não só

15 Julho, 2014 0

O Mundial já acabou e, no final, a festa foi alemã. Não se pode dizer que tenha sido uma grande surpresa, embora esta fosse a primeira vez que uma selecção europeia conquistou o título em solo americano. Algum dia teria de acontecer. E serem os germânicos a protagonizar tal feito também não surpreende. Por norma, a Alemanha é sempre uma verdadeira equipa, onde o todo vale bem mais que a soma das partes. De resto, este é um conjunto onde a técnica se funde com a capacidade física e onde a organização meticulosa, algo tão típico de um povo que não gosta de deixar nada ao acaso, tende a ser decisiva.

Mas, embora os alemães tenham, necessariamente, uma visão distinta, a verdade é que este Campeonato do Mundo fica para a história como aquele em que o Brasil, a nação com melhor currículo na competição, foi humilhado. E logo diante dos seus adeptos. Os brasileiros tinham uma fé enorme nesta conquista e o país não se poupou a esforços para atacar aquele que poderia ter sido o seu sexto sucesso (não digo “hexa”, pois isso, em bom rigor, significa ganhar seis vezes consecutivas). Se calhar até fez demasiados esforços. Pelo que se vê e lê, a maioria da população (que adora futebol) tem outras prioridades. E ainda bem que os cidadãos pensam assim. Hospitais capazes de satisfazer as necessidades, escolas modernas, uma rede de transportes públicos funcional e segurança competente – só para citar algumas das maiores evidências – fazem muito mais falta que, por exemplo, um estádio gigantesco às portas da Amazónia para ser utilizado por grupos de solteiros e casados.

Em suma, tal como sucedeu em Portugal em 2004, também o Brasil se “esticou” com este Mundial. E assim, algo que fazia todo o sentido… ficará na história como uma enorme fatura a ser paga (pelo povo) durante décadas. Uma tristeza e, já agora, uma parvoíce. E a coisa até seria algo abafada se os resultados desportivos tivessem sido outros. Contudo, também nessa vertente os brasileiros já sabem o que os portugueses sentiram em 2004. Portugal não gastou tanto dinheiro com o seu Europeu, quanto o Brasil com o Mundial, mas ambos os países esbanjaram recursos, sem lógica ou ponderação. Mas, vá lá, ambos chegaram longe nas competições. Paradoxalmente, nunca a história registou – com excepção do Mundial de 1950 – como desilusão a prestação de equipas que ficaram em segundo ou em quarto, como sucedeu com portugueses em 2004 e brasileiros volvidos 10 anos. A expectativa era muito alta. A ambição, legítima e lógica, acabou por se confundir com arrogância. Ganhar deixou de ser um sonho, um objectivo árduo, e passou a obrigação. Foi o primeiro passo para o descalabro. Até porque para vencer é, antes do mais, preciso trabalhar muito, ter todas as opções devidamente previstas, não deixar nada ao acaso, à espera que a ajuda divina dê uma mãozinha. E, sejamos claros, os deuses até foram bem amigos. Imaginem que os desempates através de penáltis tinham dado para o torto… Portugal e Brasil tinham saído de cena ainda mais envergonhados.

Existe uma figura central nestas duas histórias. Chama-se Luís Felipe Scolari. É o único responsável? Não, claro que não, até porque o homem não marca golos, perde bolas ou esquece-se de vigiar adversários. Mas, independentemente dos seus feitos (e ser campeão do Mundo é algo que nunca lhe tirarão da folha de serviços), a verdade é que se trata de um treinador mediano. Scolari esteve sempre na briga por títulos importantes ao nível de selecções porque, tal como sucederia com a maioria dos técnicos mundiais, beneficiou de ter estrelas de primeiro plano. Se em Portugal costumamos dizer que quem orienta os grandes arrisca-se a ser campeão, convenhamos que quem se sentou no banco de equipas fortíssimas, recheadas de futebolistas de inquestionável valia, também podia ter sucesso. Chegou sempre perto, é verdade, mas só ganhou uma vez. Pior: ficou sempre a sensação de que podia ter feito melhor. Perder duas vezes em casa com a Grécia é algo que nunca os adeptos portugueses vão entender, da mesma forma que os brasileiros jamais conseguirão explicar como é que se apanha 7-1 numa meia-final de um Mundial em casa. Ou como é que dias depois se leva mais 3-0…

Scolari é um treinador que rege o seu trabalho com base na fé, nas superstições, na motivação, em conversas onde tenta explicar aos jogadores que são os melhores do planeta. Nada tenho contra isso. Considero até que esse “show” – onde se engloba também o número da bandeirinha nas janelas – pode elevar os níveis de confiança de alguns atletas e até da nação. Mas, sejamos claros, essencial é escolher os melhores jogadores sem ligar a interferências externas, não ter medo de fazer alterações ao grupo se isso se justifica, treinar muito e bem (e não queixar-se do pouco tempo disponível para o fazer), prever todas as situações e testá-las nos muitos jogos de preparação, estudar os adversários ao pormenor, saber ler o jogo no banco, ter capacidade de reacção quando as coisas não correm bem, ser corajoso e não oferecer a titularidade por decreto mas sim face ao rendimento. E isso ele não faz. Ou não faz com a qualidade que se exige. Antes e durante o Europeu de 2004 testemunhei isso. Eu e muito outros jornalistas, alguns dos quais, contudo, sempre preferiram realçar o ar bonacheirão da personagem. São opções.

O futebol que o Brasil apresentou no Mundial foi péssimo. O plano, se é que se pode chamar assim, era levar a bola para a frente e procurar Neymar. E ter fé, muita fé… O resultado não podia ser bom. E desenganem-se aqueles que pensam que com a estrela do Barcelona em campo (e Thiago Silva) tudo seria diferente contra a Alemanha. É mentira. Diferente teria sido tudo se o árbitro do jogo inaugural com a Croácia não tivesse inventado um penálti ou se Pinilla tem acertado centímetros abaixo no prolongamento do jogo com o Chile. A derrocada brasileira era uma questão de tempo. Só não se imaginava que fosse tão catastrófica e que alguns futebolistas de nível, com provas dadas, acabassem de rastos, a jogar como se fossem elementos de uma equipa menor, sem cotação internacional.

Muitos camaradas de profissão brasileiros  perceberam o problema e dividiram as críticas entre o mau desempenho do técnico e o deixa andar da Confederação. Inúmeros futebolistas que jogam (ou jogaram) na Europa também anunciaram que é preciso mudar de paradigma. Até os exigentes adeptos, que durante décadas pensavam que o Brasil ganhava a maioria dos jogos só com as camisolas amarelas, sabem que o “filme” mudou. Resta saber se os dirigentes vão aceitar que o Mundo é outro, diferente. Não basta abrir a porta de saída a Scolari. O Brasil vai continuar a ter um base de recrutamento única, permanecerá como o maior “fabricante” e exportador de jogadores, mas tardará a recuperar um trono que já lhe pertenceu com justiça se permitir que as suas pérolas saiam do país em tenra idade, se mantiver um campeonato com pouco público e onde alinham jovens promessas e velhas glórias num registo vagaroso, sem rigor táctico e onde qualquer jogador mediano tem tempo e espaço para parecer uma estrela. E, claro, enquanto as decisões forem políticas, tomadas em prol de algo que não o normal desenvolvimento do futebol, nada feito…  

A maior humilhação da história do futebol

9 Julho, 2014 0

Os livros sobre a história do futebol mundial estão repletos de goleadas. E se as equipas mais fortes aparecem quase sempre do lado certo desses embates atípicos, de vez a vez lá lhes calha estar na posição indesejável. Mas, convenhamos, existem formações, de clube ou selecção, que não estão talhadas para ser notícia na qualidade de “bombo da festa”. O Brasil era assim. Mas já não é. O dia 8 de Julho de 2014 ficará registado para sempre como a data em que o poderoso “escrete” sofreu uma derrota ímpar. A mais dolorosa da sua longa e rica história. O pior é que aconteceu a jogar em casa, numa meia-final do Campeonato do Mundo que os brasileiros tinham antecipadamente interiorizado que não lhes escaparia.

Ninguém, nem o mais convicto adepto germânico, alguma vez pensou que a Alemanha seria capaz de ganhar por 7-1 ao Brasil… e no Brasil!. Visto de outro ângulo, nem o mais  pessimista dos brasileiros conseguiria sonhar com uma derrota tão pesada. Mas, a verdade é que o impossível transformou-se em realidade. E se o desfecho final não tem explicação, os 5-0 ao intervalo são surreais. A sequência de quatro golos em seis minutos é algo que nenhum dos espectadores desta partida – “in loco” ou via televisão – vai esquecer.

O Brasil, é justo dizer, nunca convenceu neste Mundial. Os empates com o México e o Chile confirmam-no, assim como a vitória com “empurrãozinho” diante da Croácia. Perante os débeis Camarões e a Colômbia desfalcada (mostrou bom futebol na prova, mas só estaria mesmo “no ponto” com Falcão) jogaram melhor, mas nunca o suficiente para galvanizar quem espera sempre uma selecção brasileira de alto nível técnico. Mas, não convencer é uma coisa, apanhar um correctivo tão forte da Alemanha é outra. Bem diferente. Jogadores e equipa técnica vão ficar na história não por terem perdido um Mundial a jogar em casa- como sucedeu em 1950 – mas por sofrer uma derrota que jamais terá explicação ou será esquecida. Enquanto forem vivos… todos os dias alguém os fará recordar este pesadelo.

A copiosa derrota do Brasil, ainda por cima diante uma equipa que “espetou” 4-0 a Portugal (e que não sendo muito espectacular é de uma eficiência tipicamente germânica), não faz com que a participação da Selecção Nacional possa ser branqueada. Mas, com toda a sinceridade, se pudesse escolher, preferia aquilo que nos aconteceu – eliminação na fase de grupos atrás… dos Estados Unidos – a estar no lugar dos brasileiros. Se perder uma final do Europeu a jogar diante do seu púnlico, perante a vulgar Grécia, é algo que jamais irei conseguir digerir completamente, imagino o que será ser enxovalhado por 7-1, em casa, numa meia-final do Mundial. Para mim esta é, sem discussão, a maior humilhação da história do futebol.

PS – Com Thiago Silva e Neymar, claro está, o Brasil teria sido mais forte. Mas, pela forma como correu a partida, alguém pode afirmar com convicção que, com esses dois reforços, o desfecho seria muito diferente?

Mundial com novas regras

6 Julho, 2014 0

Nunca fui adepto dos jogos de futebol repletos de interrupções. Não conheço, aliás, ninguém que goste de assistir a partidas em que a bola está mais tempo parada do que em movimento. Assim sendo, também não aprecio árbitros que sentem necessidade de apitar por tudo e por nada, que se esquecem que o futebol é uma modalidade de contacto e onde – dentro de determinados parâmetros – a agressividade é não só permitida como elogiada. Mas, convenhamos, preferir jogos mexidos, com considerável tempo útil de jogo, é uma coisa, mas elogiar desempenhos onde vale praticamente tudo sem que os juízes intervenham, é outra. Bem diferente.

O Mundial do Brasil tem sido, na ótica da maioria, uma prova sensacional. Não alinho muito nessa ideia, pois se é verdade que várias seleções de segunda e terceira linha revelaram evolução, os “pesos-pesados” – incluindo os que ainda estão na luta pelo título – não têm praticado um futebol particularmente vistoso, ao ponto de terem tido muita sorte (e algumas ajudas “extra”) em determinados embates. Há mais equilíbrio do que habitualmente, mas com o nivelamento a ser feito por baixo. O poder físico tem prevalecido sobre a técnica.

Mas, deixando a qualidade exibicional para segundo plano, o que tem sido incrível é observar a forma como a maioria dos árbitros tem dirigido os jogos do ponto de vista disciplinar. A menos que as regras tenham sido alteradas e só os juízes presentes no Brasil saibam disso, os constantes atropelos aos regulamentos e às determinações tradicionais merecem reflexão. Quantas entradas duras passaram sem qualquer castigo? Quantas situações suscetíveis de amostragem de cartões mereceram apenas a indicação de falta? Quantas simulações foram entendidas como lances comuns? Quantas agressões (sem bola ou em entradas por detrás) foram ignoradas ou apelidadas de jogadas normais, como por exemplo a cotovelada do francês Sakho no equatoriano Mindia?

A FIFA, hoje como quase sempre, tem dois pesos e duas medidas. Pensar que todos são tratados por igual, que as regras são as mesmas para todos, é a mesma coisa que, já adultos, insistirmos em acreditar que o Pai Natal é quem nos oferece os brinquedos ou que as crianças são transportadas pelas cegonhas. Era bom, era…

(artigo publicado na edição impressa do Jornal Record de 6 de Julho de 2014)