Venha ele, o futebol
Vivida não como ópio do povo mas como escape para as malfeitorias que nos são feitas, gosto muito de bola
Num País em que os cidadãos vão sendo cada vez mais tratados como números e em que ninguém parece fazer falta, a não ser que tenha uma cara conhecida que dê direito a uma nomeação milionária, por muito criticado que seja o futebol – ópio do povo para meia dúzia de intelectuais tontinhos que não entendem que se pode gostar de bola e mesmo assim ter meia dúzia de neurónios –, ele acaba por ser um escape legítimo. Das raras actividades em que Portugal está perto do pelotão da frente, quem sabe porque aqui ainda se paga bem.
Quando jogado dentro das regras, vivido com conta peso e medida e dirigido por quem dele gosta, o futebol é um desporto-espectáculo como não há mais no Mundo. Claro que também aqui se cruzam os limites, de adeptos a dirigentes, passando por jogadores e treinadores. Nada mais normal. Sendo qualquer actividade um espelho da sociedade em que se insere, aplicado o cliché ao universo da redondinha, mesmo assim a coisa podia estar pior. Claro que há corrupção. Violência. Batota. Mas também há sorte e azar. E talento, muito talento. Há de tudo um pouco, como qualquer coisa que envolve humanos. Mas casos como o de Carlos Martins, por exemplo, mostram-nos uma face solidária, agregadora de vontades, capaz de mover montanhas. Este espírito especial vive-se também em coisas tão simples e habituais como o confronto entre o pequeno e o grande. No futebol o sonho americano ainda é permitido. A expressão tomba-gigantes é por isso usada com orgulho, como um elogio merecido a quem fez das fraquezas forças para ser alguém. Permite a sociedade portuguesa muitas sensações semelhantes na vida real? Poderá um jovem a sair para o mercado de trabalho acreditar em algo assim, mesmo que vote na cor errada ou não seja filho de alguém?
É bom falar de futebol. Hoje o Benfica defende a liderança frente ao Gil Vicente. Jesus promete espectáculo e parece que já estão vendidos mais de 50 mil bilhetes. Se não fosse tão caro recomendava-lhe um pulo ao Estádio da Luz. Se não puder, olhe tente uma imperial no café da esquina, peça uns tremoços e divirta-se. É o melhor que levamos desta vida. E ela passa num instantinho.
