UMA CAPA NOJENTA
Os portugueses que consomem futebol em forma de papel de jornal costumam analisar de forma bastante simplista os produtos de que dispõem. Para quase todos eles, O Jogo é um jornal conotado com o FC Porto, A Bola com o Benfica e o Record com o Sporting.
Tenho o privilégio de já ter trabalhado em dois desses jornais e tenho amigos em todos eles. Penso ter suficiente informação para saber o que as casas gastam mas tenho também a consciência de é muito difícil desentranhar esta ideia da cabeça dos adeptos.
Vem isto a propósito da polémica capa de A Bola a seguir ao último Sp.Braga-Benfica, o tal “Xistra decide o que estava decidido”, acompanhado pelo momento da expulsão de Javi Garcia e ainda por um antetítulo que nem sequer pode ser classificado de descuidado (“FC Porto não precisava deste árbitro para ser campeão por mérito“).
Há aqui desde logo duas premissas erradas:
– Não foi Xistra que decidiu, foi Mossoró.
– O FC Porto não defrontou o Benfica nesse jogo.
Trabalhei muitos anos num outro jornal desportivo – a Gazeta dos Desportos – e não posso dizer que saí imaculado da tarefa sempre perigosa de organizar o material de capa. Fartei-me de meter o pé na poça, aliás.
Mas desta vez ninguém tem desculpa.
A forma como esta capa está construída é antes do mais um crime de lesa-jornalismo. Envergonha-nos a todos.
Mas são os sinais dos tempos.
Não vou dizer que os antigos é que eram os “puros”, que estavam imunes a pressões e clubismos e que depois deles é o deserto. Ando aqui há 30 anos e já ouvi muitas estórias.
Esta capa de A Bola é para guardar. Para estudar. Provavelmente representará no futuro a prova material de uma mudança de paradigma.
Caiu a máscara em pleno Carnaval.
Perdeu-se a vergonha.
Não crucifiquemos, porém, apenas o jornal da Travessa da Queimada, único sobrevivente do bastião jornalístico do Bairro Alto lisboeta. Outros também já pecaram. Mas, meus amigos, a não ser que a minha memória me engane, uma capa deste calibre nunca tinha visto. A culpa não é de quem a fez mas sim de quem permitiu que um dia ela viesse para a rua.
É nestes dias que não lamento o momento em que subi as escadas da “Queimada” para entregar a minha bola nas mãos de Vítor Serpa, optando pelo Record, o único jornal onde trabalhei e onde um dia fui suspenso com justa causa por ter emprenhado pelos ouvidos, promovendo uma determinada tese sem recorrer ao contraditório. Fico a dever esta lição a Alexandre Pais.
Estamos sempre a tempo de aprender.
Espero, sinceramente, a a própria A BOLA seja capaz de superar esta desgraça, colocando no sítio certo os desgraçados que inventaram esta capa.