Entrei numa das boas pastelarias na zona de Lisboa. É um daqueles sítios que temos que lutar para resistir à tentação de cair no “pecado da gula”. Mas orgulhoso, resisti. Pedi
um galão e um pão de centeio. Percebi alguma “agitação” dos funcionários, do tipo “está ali aquele gajo que é árbitro”, como se fosse um allien acabadinho de cair na Terra. Mas nada de anormal. Fui servido e, entro os empregados, o discurso passa da habitual gestão acelerada dos pedidos para…a bola. Óbvio.Também aqui, tudo normal. Faz parte. O café estava cheio, os clientes deliciavam-se com um aconchegante lanche mas eles, entusiasmados, continuavam a batalha da clubite, deixando que os decibéis aumentassem vertiginosamente. Era um verdadeiro despique de cores, penaltys e roubos à boa maneira de alguns programas televisivos. Vá…um pouco melhor, talvez.
Percebia-se a necessidade tremenda de se fazerem ouvir. De terem piada, serem engraçados e giros e tal. A disputa e c… onfiança eram tais que até os clientes deixaram de conversar. Eles abafavam tudo. Quando pedi a conta, ouvi a voz tímida do mais atrevidote – é sempre o tipo mais gordinho, alergre e com cara de bom rapazito, que é o animador das festas lá na aldeia – e que lá detrás do balcão, protegido por alguma distância e na sua zona de conforto, murmurou, para delírio da sua rapaziada: “Vai lá despachar o gatuno do apito”. O gatuno do apito. Ouvi. Sorri. Pedi a conta. Levantei-me. Paguei. E deixei gorjeta. Afinal de contas, é Natal. À saída, dirijo-me ao herói do dia e, “olhos nos olhos”, encaro o poeta alegre. Desejei-lhe um Santo e Feliz Natal, junto daqueles mais ama. Com toda a calma, tranquilidade, serenidade e educação. Obviamente. Não respondeu. O suor discreto que acumulou na testa indiciava que a contração do cólon não seria um processo pacífico. O pobre rapaz degladiava-se contra aquela cólica súbita, que o parecia ter apanhado desprevenido. Saí. Voltei a sorrir. E confirmei, mais uma vez, duas coisas: a primeira é que a pequenez de uns é sempre a grandeza de outros. Se não existissem pessoas assim, como é que nós marcaríamos a diferença? A segunda…é que definitivamente não há força maior que o silêncio e um sorriso, nos momentos certos. E pronto…