Os pneus de bicicleta sobre a passarela, encadeados com mãos ossudas e dedos alongados, deveriam ter dado uma pista – mesmo sem acedermos aos bastidores do desfile de Antonio Marras e vermos o quadro de ambientes da artista italiana marginal Carol Rama.
Na minha ignorância, só lera uma antevisão da exposição do trabalho da artista de 96 anos, atualmente patente na Nottingham Contemporary, em Inglaterra, antes de maiores retrospetivas que terão lugar em Barcelona e Paris.
“Ela era a chama criativa. Para mim, era a dicotomia entre diferentes fêmeas, a explosão de flores, mãos, pregas”, disse Marras.
Das suas notas do programa, depreendi que ele tinha conhecimentos pessoais desta artista cujo trabalho era uma visão íntima da sua própria vida atormentada. A sua arte é uma reação ao suicídio do pai, depois de a sua fábrica de pneus ter falido (daí o cenário das bicicletas), e à complexa sexualidade feminina que presenciou quando visitava a sua mãe na “casa dos loucos”.
Admiro a sinceridade de Antonio Marras enquanto designer verdadeiramente original. Mas terá a ligação entre arte e moda sido levada um pouco longe demais?
Os vestidos com flores tridimensionais na frente eram belos, artísticos e, sem dúvida, ecoavam um significado mais profundo para o próprio Marras.
Num espírito diferente, viu-se alfaiataria com riscas azuis e vermelhas – e as mesmas cores em vestidos rodados. A ênfase nas cinturas é uma assinatura de Marras e a sua colaboração com a designer de joias Monica Castiglioni resultou em peças de joalharia brilhantes.
O desfile foi frequentemente encantador e marcado por um bom gosto não-convencional. Mas, na sua essência, a moda – mesmo enquanto expressão dos pensamentos mais profundos de um designer – é uma arte aplicada. E, em última análise, foi uma coleção de verão composta por peças leves, animadas e usáveis.