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Suzy Menkes
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Obras de arte representam o equilíbrio na exposição Equilibrium no Museu Salvatore Ferragamo.

Dois pés em bronze dourado – uma da Roma antiga, outro de Henri Matisse – competem por atenção contra palmilhas, o peito do pé de uma bailarina e os dedinhos minúsculos de um bebé que dá os seus primeiros passos.

Percorri uma pista de testes sobre o pé humano e a sua função em Equilibrium, uma fascinante exposição no Museu Salvatore Ferragamo, em Florença.

Esquerda: Pé direito em bronze dourado de uma estátua da deusa Nike  (século II a.C.), do Forum de Augusto. © Cortesia do Archivio del Museo dei Fori Imperiali. © Stefano Castellani. Direita: Henri Matisse, Etude de pied (c. 1909). © Succession H. Matisse c/o Pictoright Amsterdam 2010

Como estava a sofrer com o peito do pé inchado e ligado depois de ter dado uma queda dos meus sapatos de cunha em Capri, no desfile de alta costura de Dolce & Gabbana, sentia-me particularmente sensível ao pé e à sua função.

Contudo, não é preciso cair de um penhasco para apreciar esta exposição erudita, mas provocante. Ri-me ao ver os nossos antepassados, os primatas, como modelos peludos gravando no solo as pegadas por si deixadas em África há 3,6 milhões de anos.

Senti as lágrimas virem-me aos olhos quando vi os minúsculos sapatos em pele de bezerro com sola anti derrapagem feitos por Salvatore Ferragamo em 1946 para o seu filho Ferruccio, atual presidente do negócio da família.

Fiquei igualmente maravilhada com as figuras acrobaticamente penduradas num espaço vazio, a fazer lembrar os mobiles de Alexander Calder e a sua inspiração circense. Mas estremeci quando vi e ouvi alguns famosos registados em filme: a passada decidida de John F Kennedy, a marcha religiosa de Mahatma Gandhi e o passo militar sincopado de Adolf Hitler.

  James Dean numa aula de dança com Katherine Dunham, Nova Iorque, 1955 © Dennis Stock/Magnum Photos

O sapato de criança Derby, chamado Primi passi, que significa “primeiros passos” em italiano, foi feito em pele de bezerro castanha clara com uma sola anti derrapagem patenteada por Salvatore Ferragamo em 1946 para o seu filho mais velho, Ferruccio Ferragamo. © Arrigo Coppitz

Acima de tudo, Stefania Ricci, a diretora e arquivista do museu e o crítico de arte Sergio Risaliti, co-curadores de Equilibrium, deveriam ser aplaudidos pelos impressionantes objetos de arte e as referências que reuniram, vindos de museus de todo o mundo. Entre eles, inclui-se uma ilustração da viagem de ADivina Comédia de Dante, cedida pela Biblioteca Nazionale Centrale de Florença, e esculturas de Edgar Degas do Musée d’Orsay, em Paris.

Edgar Degas, estátua em bronze. © RMN-Grand Palais (Musée d’Orsay) / Hervé Lewandowski

Especialmente tocante é a secção de dança, onde a delicadeza das bailarinas descalças de Degas ou um desenho a caneta e tinta quatrocentista de Raphael nos mostram os pés em estado de graça

Mas a alma e a sola dos sapatos é, evidentemente o próprio Salvatore.

Salvatore Ferragamo e a sua mulher, Wanda, por volta da altura do seu casamento, no final da década de 1930

“Ele passou a vida a estudar e a aprender sobre anatomia humana para melhor os seus conhecimentos do pé”, explicou Stefania Ricci, enquanto me mostrava os diferentes moldes trabalhados pelo designer para aprofundar o estudo científico do arco do pé.

Desenvolvimento de um molde em onde alturas de saltos, 2014 © Arrigo Coppitz

Esquerda, sapatilha de pontas com sola e um acrescento colado na lateral para reforçar a ponta. Direita, sistema de reforço do arco do pé para solas de sapato. Como resultado da sua investigação, Ferragamo inventou a revolucionária alma em aço, que apoiava o arco plantar, permitindo ao pé mover-se como um pêndulo invertido. A alma, que Ferragamo patenteou em 1929, foi uma das suas invenções mais importantes e ainda hoje é utilizada nos sapatos da marca. © Roma, Central Government Archives.

Com os conhecimentos intuitivos de um italiano rodeado de arquitetura do Renascimento (na qual o arco suporta o peso do edifício), Ferragamo aplicou os mesmos princípios aos sapatos.

Marilyn Monroe, entre outras estrelas de Hollywood, pode ter sentido as vantagens dos estudos de Salvatore. No entanto, o equilíbrio volátil, sobretudo em saltos de diferentes alturas, evoluiu de um simples conhecimento científico, transformando-se numa forma de arte.

Esquerda: pump vermelho em pele envernizada baseado no sapato criado por Salvatore Ferragamo na década de 1950 para Marilyn Monroe. Direita: o molde do pé de Marilyn Monroe criado por Salvatore Ferragamo. As marcas são vestígios dos vários sapatos desenhados para a estrela de Hollywood. ©Arrigo Coppitz

O “sapateiro das estrelas” sabia que o peso do corpo assenta todo sobre uma linha de prumo no arco do pé. Olhando para a fragilidade da figura de bronze de Alberto Giacometti “O Homem que Caminha”, partilhei a sensação do artista relativa à “fragilidade dos seres vivos, como se a qualquer momento fosse necessária uma quantidade de energia formidável para se manterem em pé”.

Esquerda: Philippe Petit caminha sobre a corda bamba entre as Torres Gémeas do World Trade Center, Nova Iorque, 1974. © Bill Stahl Jr./NY Daily News Archive via Getty Images. Direita:  La Funambule (1943), por Alberto Giacometti. © Nova Iorque, Yoshii Gallery

Uma mostra de moldes de Ferragamo

Em publicações anteriores, escrevi sobre os absurdos da moda dos saltos altos e interroguei-me por que razão as mulheres estavam preparadas para sofrer para serem “belas”. Os organizadores da exposição fizeram-me perceber o quão difícil é criar no calçado o “equilíbrio” concedido pela natureza – os músculos que movem o esqueleto e os neurónios que controlam a anatomia.

Um espetáculo de dança contemporânea por Martha Graham, 1943. © Gjon Mili//Time Life Pictures/Getty Images

Mas o lado cientifico da exposição é tão leve como um bom par de sapatos de salto alto. Aqueles que quiserem aprofundar os seus conhecimentos, podem estudar o catálogo de Equilibrium e o seu resumo histórico magnificamente apresentado.

As bailarinas de Antonio Canova e os seus ritmos de graciosidade (1799) © Possagno, Museo e Gipsoteca Antonio Canova

Amplamente ilustrado, o livro inclui o equilíbrio neo-clássico das bailarinas de Antonio Canova e os seus “ritmos de graciosidade”, as visões mais duras dos dedos distorcidos da bailarina avant-garde norte-americana Merce Cunningham, e a obra implacavelmente rígida esculpida em ametista Shoes for Departure (1991), da artista conceptual Marina Abramovic.

Merce Cunningham em Antic Meet, fotografada por Robert Rauschenberg em 1958. © Fotografia de Richard Rutledge. Arte © Estate of Robert Rauschenberg/Licenciado por VAGA, Nova Iorque

Shoes for Departure (1991), em  ametista por Marina Abramovic © Paris, Collection Enrico Navarra.

Espero que esta exposição viaje porque é muito mais significativa do que uma simples mostra de calçado – da mesma forma que Salvatore trouxe a arte, a ciência e uma inteligência superior para o seu, aparentemente humilde, ofício.

Equilibrium está em exposição no museu Salvatore Ferragamo, em Florença (Ferragamo.com/museo), até 12 de abril

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Vogue International Editor Suzy Menkes is the best-known fashion journalist in the world. After 25 years commenting on fashion for the International Herald Tribune (rebranded recently as The International New York Times), Suzy Menkes now writes exclusively for Vogue online, covering fashion worldwide.

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