Um orçamento de alto risco

22/02/2011
Colocado por: massamonetaria

O défice do Estado caiu a pique em Janeiro, mas despesa continuou a aumentar, divulgou ontem a Direcção-Geral do Orçamento. José Miguel Moreira e Rui Bernardes Serra, do Montepio, evidenciam que a redução do défice se deveu essencialmente ao aumento da receita, mas ainda assim consideram os resultados animadores para este que é um orçamento com muitos riscos. Paula Carvalho do BPI diz que desempenho da despesa “desilude”.

 

Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium BCP, BPI e NECEP (Universidade Católica), isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor

 

 

Paula Carvalho – Departamento de Estudos do Banco BPI

 

Da leitura da Síntese de Execução Orçamental do mês de Fevereiro destacam-se os seguintes aspectos:

 

1. O comportamento das contas das autarquias e regiões autónomas no último trimestre de 2010 vem reforçar a expectativa de que o deficit total das Administrações públicas reportado à Comissão Europeia – numa óptica de contabilidade nacional, portanto – se situe abaixo do objectivo oficial de 7.3%.

 

2. Numa primeira análise, o comportamento das contas da Administração Central em Janeiro de 2011 (Estado e SFA) foi positivo, pois o respectivo défice caiu para menos de metade face ao ano anterior.

 

 

Apesar desta apreciação genérica, deve ressalvar-se o seguinte:

 

1. O saldo global da Administração Central ficou ainda acima do registado em Janeiro de 2009, quando já estavam em fase de implementação alguns mecanismos de relaxamento da política orçamental na sequência da grande crise financeira de finais de 2008; foi também em 2009 que os salários da função pública tiveram o aumento mais expressivo dos últimos anos.

 

2. A melhoria ficou a dever-se ao comportamento da receita tributária, quer graças ao agravamento das taxas de incidência quer também pelos efeitos colaterais decorrentes da antecipação desse agravamento. Assim, a antecipação de pagamentos de dividendos por grandes empresas, para final de 2010, reflectiu-se no aumento das receitas colectadas em sede de IRC, em Janeiro; a antecipação de decisões de compra de veículos automóveis veio também empolar as respectivas receitas nos primeiros meses do ano. Ora, estes impactos tendem a diluir o seu efeito ao longo do ano, facto que é agravado pela perspectiva de arrefecimento da actividade económica.

 

3. Por outro lado, a análise de comportamento da despesa desilude, pois verifica-se que continua a escalar apesar de todas as medidas. Ainda relativamente à Administração Central, por comparação com 2009, a despesa registou um acréscimo de 12%. Comparativamente a 2010, a despesa primária (sem juros) aumentou 0.4% quando a meta, segundo o Orçamento para 2011, é de uma queda de 3.7%. Por outro lado, verifica-se que na despesa com pessoal, as remunerações certas e permanentes registaram uma quebra de 2.6%, aquém do objectivo de redução de 5% da massa salarial da função pública. Este factor é tanto mais preocupante quando, em princípio, já terão sido executadas as reduções que verdadeiramente têm impacto no Orçamento. Pois as empresas em que os cortes salariais serão implementados apenas em Fevereiro, na sua maioria, não fazem parte do perímetro orçamental. Mais uma vez se constata que a consolidação orçamental se vai fazendo por via da tributação e ainda estamos longe da redução de receita consignada no OE.

 

 

 

 

Rui Bernardes Serra e José Miguel Moreira – Departamento de Estudos do Montepio

 

 

1. Segundo o relatório da Síntese de Execução Orçamental, publicado pelo Ministério das Finanças, o défice orçamental do subsector Estado situou-se em 787 milhões de euros (M€), em Janeiro de 2011, revelando um desagravamento de cerca de 360 M€ face ao défice observado no período homólogo, resultado de um forte crescimento da Receita Efectiva – reflectindo, essencialmente, o agravamento da carga fiscal observado no início do ano – e uma desaceleração na Despesa Efectiva. A Despesa Efectiva do Estado avançou 0.9% em termos homólogos, abaixo do acréscimo observado no período precedente (+3.7%, em 2010), com o Governo a esclarecer, contudo, que a Despesa teria, inclusive, caído 2.6%, caso se eliminasse o efeito de base provocado pelo facto de, nos primeiros quatro meses de 2010, ter estado em execução o regime de duodécimos – Orçamento de 2010 só entrou em vigor nos finais de Abril -, que, sendo mais baixos do que os subjacentes ao Orçamento de 2010, têm um efeito de majoração mecânica desfavorável nas taxas homólogas mensais.

 

2. A ideia geral destes dados é que, de um modo geral, o actual processo de ajustamento orçamental continuou a basear-se, essencialmente, do lado da Receita, que continuou a ser bastante impulsionada pela componente fiscal, resultante, designadamente, do recente agravamento da carga fiscal. É, no entanto, de registar, pela positiva, a desaceleração observada no crescimento da Despesa, que, conforme refere o Governo, representará, inclusive, um decréscimo, caso se elimine o efeito de base desfavorável provocado pelo facto de, nos primeiros quatro meses de 2010, ter estado em execução o regime de duodécimos

 

3. Estes resultados não deixam, assim, de se revelar animadores, pese embora se deva ter em consideração que: (i) nas palavras do próprio Executivo, os dados de execução orçamental de Janeiro apresentam, tipicamente, bastante volatilidade, sendo ainda cedo para se tirar conclusões de fundo sobre a dinâmica agora evidenciada; (ii) espera-nos um ano difícil em termos de crescimento económico (o PIB deverá contrair cerca de 0.7%, em 2011, de acordo com as nossas previsões), pelo que, da mesma forma que o processo de consolidação se viu beneficiado pela recuperação económica observada no ano passado (o PIB terá expandido 1.4%, em 2010, segundo a estimativa rápida do INE), será, este ano, prejudicado, com as Receitas a não deverem crescer ao mesmo ritmo do agravamento da carga fiscal e as Despesas, por outro lado, pressionadas em alta, impulsionadas, designadamente, pelo aumento das prestações sociais, num ano onde se prevê um agravamento adicional do Desemprego.