O que vai acontecer ao défice externo quando a economia recuperar?

10/10/2013
Colocado por: Nuno Aguiar

Dependência da exportações de combustíveis pode ser enganador. Fonte: Bloomberg

 

Um aviso prévio: não tenho resposta para a pergunta do título. Mas a existência da questão já é motivo de debate. Os muito elogiados avanços conseguidos nos últimos anos no equilíbrio da balança externa portuguesa têm sido conseguidos através do crescimento das exportações, mas também de uma queda acentuada das importações, esta última motivada pela depressão do mercado interno. Alguns economistas têm alertado para um possível retrocesso nesses progressos assim que o consumo e o investimento voltarem a mexer o dedo do pé e a economia recuperar.

 

Um estudo incluído pelo Banco de Portugal no Boletim Económico de Outono sobre o conteúdo importado da procura global em Portugal permite agora perceber melhor esses riscos futuros. O “paper” assinado por Fátima Cardoso, Paulo Soares Esteves e António Rua mostra a evolução do peso das importações no investimento, consumo e exportações. Algumas conclusões são muito interessantes.

 

O grau de penetração das importações começou a aumentar com a entrada de Portugal na União Europeia (na altura CEE) em 1986. Até aqui, nada de novo. Mas o estudo mostra também que a evolução da penetração das importações tem tido um forte carácter pró-cíclico, aumentando quando a economia cresce e desacelerando ou caindo quando o PIB contrai. Neste momento, com Portugal em recessão, as importações estão a seguir o padrão histórico. Não será por acaso que nos últimos três meses – que coincidem com aquilo que o Governo diz ser o início da retoma – as importações tenham crescido a um ritmo superior às exportações.

 

Fonte: Banco de Portugal

 

Mas vamos ao bife do estudo. O peso do conteúdo importado em cada uma das rubricas da procura. De forma algo surpreendente as exportações são as que mais dependem das compras ao estrangeiro, com 42% (em 1986 era 33%). Por cada 100 euros que Portugal exporta tem de importar 42 euros. De seguida surge o investimento com 41%, o consumo privado com 30% e o consumo público com apenas 11%. A procura global tem 32% de conteúdo importado.

 

Fonte: Banco de Portugal

 

É curioso que as exportações sejam aquele que tem maior peso. E estes 42% observados em 2008 poderão ser hoje bastante mais elevados, devido à cada vez maior preponderância que a venda de combustível refinado tem nas exportações nacionais. Uma rubrica com 82% de conteúdo importado. Governo e troika têm sublinhado que o aumento das vendas ao exterior e a contração do mercado interno são o caminho para garantir o equilíbrio da economia portuguesa face ao exterior e a sua sustentabilidade futura. No entanto, há exportações e exportações. Vender gasolina não é tão importante para o crescimento da economia portuguesa como ter mais turismo, como notam os autores.

 

Claro que a troika não é cega e conhece este risco. Mas espera que a transformação da economia portuguesa (mais virada para os transaccionáveis) permita que as importações sejam substituídas por produção nacional. Outro motivo para a esperança na estratégia referida em cima é o empobrecimento. O Governo e os credores não o podem dizer desta forma, mas parte-se do princípio que o consumo privado, por exemplo, ficará por muitos e muitos anos aquém dos níveis pré-crise. 

 

Mas vamos regressar ao estudo do BdP. Numa altura em que se discute os (de)méritos de reanimar o mercado interno, não deixa de também ser curioso que o consumo privado tenha um valor tão abaixo das exportações (30% vs. 42%). Nesta rubrica, os bens duradouros (máquinas e material de transporte, em particular) e o combustível são os que têm maior conteúdo importado. Os autores do estudo destacam que os bens alimentares têm aumentado consideravelmente o seu conteúdo importado directo*, assim como indústrias tradicionais, como têxtil, calçado e vestuário. 

 

No que diz respeito ao investimento, é interessante olhar para as três maiores rubricas. Máquinas e material de transporte têm um conteúdo importador de 83% e 97%, respectivamente, enquanto na construção é de apenas 24%. Ou seja, o sector que está a sofrer a maior e mais prolongada contracção é aquele cuja actividade menos depende das importações.

 

Evolução do conteúdo importado directo (vermelho) e indirecto (azul). Fonte: Banco de Portugal

 

*O conteúdo importado pode ser directo ou indirecto. O primeiro diz respeito à procura final de bens comprados ao exterior, enquanto o segundo traduz o peso da utilização de bens comprados ao exterior na produção nacional.

Nuno Aguiar