Euforia financeira nos emergentes explica as dores que hoje sentem

04/02/2014
Colocado por: Rui Peres Jorge

 

Fonte: Yuriko Nakao / Bloomberg

 

O arranque do ano fica marcado pela forte turbulência cambial que está a percorrer as economias emergentes. Dois artigos interessantes publicados recentemente no VOX ajudam a perceber por que estão a sofrer muitas potências em desenvolvimento e o que podem fazer os seus governos e bancos centrais. Uma das conclusões mais interessantes é a de que a criação de mercados financeiros grandes e líquidos (e pouco regulados) pode enebriar em tempos de bonança, mas arrisca transformar-se num sucesso caro quando a turbulência começa.

 

Barry Eichengreen e Poonam Gupta estudaram a reacção dos mercados emergentes ao anúncio em Maio pela Fed de que planeava reduzir os estímulos à economia norte-americana procurando perceber o que fragiliza ou reforça a resistência destas economias. Há várias conclusões relevantes:

 

– Por um lado, os chamados “fundamentais” como o crescimento recente, o volume de reservas no bano central, e os níveis de dívida ou défice públicos parecem ter tido pouco impacto (positivo ou negativo) na pressão sofrida pelas economias emergentes após as palavras de Bernanke no primeiro semestre;

 

– Bem diferente é o efeito da dimensão e liquidez dos mercados financeiros nacionais: os países que mais abriram e liberalizaram os seus mercados são agora os que mais sofrem. Os autores escrevem que esta conclusão “é um lembrete que o sucesso de um mercado financeiro crescente pode ser uma benesse mista”, pois “pode acentuar o impacto na economia de choques financeiros que cheguem do estrangeiro”.

 

(O efeito de liberalização financeira promovida por vários governos das economias emergentes é também evidenciado por Dani Rodrik, num recente embate com Paul Krugman, onde contrapõe a China ao que se está a passar na Índia e na Turquia:

 

Over the last five years in India, every episode of rupee pressure has provoked a relaxation of regulations on foreign inflows, which has rendered the economy vulnerable to the next rupee shock, which, in turn, provokes the next liberalization and so on. In Turkey, policy makers spun a tale of invulnerability to shocks and contagion even as the economy’s growth was driven by a flood of short-term capital inflows. China provides an instructive contrast. China has chosen to insulate itself from foreign capital and has correspondingly been less affected by the vagaries of Fed actions and the fickleness of foreign finance. Chinese policies aren’t blameless, but their economic insulation has afforded them the luxury of being the recipient of complaints rather than the distributor)

 

– Outra conclusão interessante é a de que nem a política orçamental, nem controlos de capitais foram especialmente eficazes a travar o efeito dos fluxos financeiros nas taxas de câmbio, no endividamento e nos défices externos das economias emergentes. O mais eficaz, escrevem Barry Eichengreen e Poonam Gupta, parece ter sido a utilização de instrumentos macro-prudenciais, como a introdução de limites ao crescimento do crédito e a regulação dos rácios de crédito em relação ao valor dos activos.

 

Estas são conclusões que olham para o passado e permitem tirar lições para o futuro. Mas agora que o problema está criado é preciso responder às desvalorizações cambiais. Na verdade não há muito a inventar: como seria de esperar a maior parte dos países está a subir juros e a vender reservas para travar a desvalorização; outros optaram por deixar as moedas desvalorizar (pelo menos por enquanto). Será que há opções melhores que outras?

Kristin Forbes , do MIT, e Michael Klein da Tuff University, analisaram a experiências de 85 economias em dois momentos de tensão: entre 1997 e 2001 e entre 2007 e 2011 para perceber os impactos de quatro opções de política: permitir que a moeda desvalorize; tentar travar a desvalorização com venda de reservas, subir juros e introduzir controlos de capitais. A principal conclusão a que chegam é a de que há lados negros em todas as opções. “Escolha o seu veneno”, escrevem. É que as desvalorizações e as vendas de reservas podem conseguir efeitos positivos no crescimento, chegam com inflação alta. Já as subidas de juros e controlos de capitais penalizam fortemente o crescimento.

 

 

Nota: Esta semana já analisámos no Negócios várias dimensões da crise que está a abalar as economias emergentes, nomeadamente que têm um peso não despiciendo no comércio externo português (valem cerca de 6% das exportações nacionais); que o regresso de capital às economias avançadas poderá ajudar Portugal a voltar aos mercados; e que a incerteza sobre as reacções de política bancos centrais está para ficar, nomeadamente pelo impacto das subidas dos juros podem ter no crescimento, e pela incerteza nos mercados sobre a capacidade de alguns países travarem as desvalorizações. 

Rui Peres Jorge