BCE tira tapete a Carlos Costa… pela terceira vez

14/01/2016
Colocado por: Rui Peres Jorge
carlos Costa

Carlos Costa, Governador do Banco de Portugal. Crédito: Bruno Simão, Negócios

 

Como destacamos no Negócios, Carlos Costa ficou isolado na polémica decisão de final de 2015 de impor perdas a uma selecção de detentores de obrigações sénior do Novo Banco (para assim melhorar os rácios de capital da instituição que quer vender em 2016). O Governo diz que está contra; o BCE que nada teve a ver com o assunto. É a terceira vez que, em momentos chave para a estabilidade financeira nacional, o BCE se afasta das decisões e posições do Banco de Portugal.

 

A posição mais recente de Frankfurt chega em reacção às críticas de investidores, entre eles grandes casas de investimento internacionais, que não se conformam com a decisão do banco central português no caso do Novo Banco.

 

O regulador nacional defende ter escolhido obrigações em nome do interesse público e da estabilidade financeira como lhe é permitido por Lei. Mas o argumento não convence os visados. Philippe Bodereau, o líder da PIMCO, a maior gestora de obrigações do mundo, não poupou adjectivos à operação que entende ser uma “discriminação entre detentores portugueses de obrigações e detentores estrangeiros”, falando em “confisco”, “populismo” e “precedente perigoso” para a Zona Euro. (As agências de rating parecem estar antes a evidenciar a distinção que pode estar a nascer entre investidores de retalho e investidores institucionais).

 

A posição do BCE – de que não exigiu nem aprovou a decisão do BdP – deixa Carlos Costa isolado na relação com os queixosos e recusa que se transponha para a esfera europeia o exemplo dado por Lisboa. Para alguns observadores esperava-se mais solidariedade.

 

Mas o distanciamento de Frankfurt pode não ter surgido como grande surpresa na Rua do Ouro. É que o BCE já tirou o tapete a Carlos Costa pelo menos duas outras vezes em momentos chave.

 

A primeira foi quando, no final do programa de ajustamento português (Abril de 2014), o BCE optou por manter uma regra (que ainda hoje está em vigor) que faz depender a aceitação de dívida pública nacional (como garantia dos empréstimos aos bancos) de pelo menos uma agência de “rating” dar uma classificação de nível de investimento ao soberano. Desde então só a opinião da canadiana DBRS permite a Portugal manter o acesso ao financiamento do BCE.

 

Como destacámos e explicámos na altura Carlos Costa argumentou no Conselho de Governadores por uma solução que não deixasse o país numa situação tão fragilizada, mas saiu vencido. Foi a primeira rasteira de Frankfurt.

 

A segunda chegou apenas meses depois, por altura da decisão de resolver o BES. Mario Draghi elogiou a decisão de criar o “banco-bom” e o “banco-mau”, que considerou ter contido a possível turbulência financeira, atribuindo louros ao Banco de Portugal, à Comissão Europeia e ao próprio BCE. Contudo, quanto ao facto de se ter permitido que um dos maiores bancos portugueses tenha rebentando após três anos de programa de ajustamento, Draghi não teve dúvidas: a supervisão era tarefa do BdP, e foi aliás graças ao BCE que regulador nacional detectou os problemas no banco liderado por Ricardo Salgado, afirmou no Parlamento Europeu em Setembro de 2014:

 

“[O BCE] não teve qualquer responsabilidade de supervisão sobre os bancos portugueses ou em outros bancos (…). O envolvimento do BCE no Banco Espírito Santo foi enquanto parte da troika, não teve um envolvimento específico”

 

“O BCE [Banco Central Europeu] disponibilizou à entidade supervisora [Banco de Portugal] melhores padrões, contribuiu para o esforço da troika para formular melhores critérios de análise e foi graças a esses melhores padrões que a autoridade supervisão portuguesa pode identificar os problemas no BES”

 

À medida que o BCE for consolidando os seus poderes de supervisor e de autoridade de resolução europeia a possibilidade de atirar responsabilidades para as respectivas capitais irá diminuir. Por enquanto, e apesar da sua influência, demarca bem papéis e responsabilidades. Que o diga Carlos Costa.

Rui Peres Jorge