Ainda sobre os impostos da “família Jerónimo Martins”

04/01/2012
Colocado por: Elisabete Miranda

Falar dos impactos fiscais de uma deslocalização de um grupo como o da família Soares dos Santos sem conhecer concretamente as suas intenções ao nível da reestruturação societária e dos seus planos de negócio futuros é um arriscado exercício de especulação científica.

 

Contudo, com o que se sabe até ao momento, não estaremos perante a típica situação de eliminação da dupla tributação económica em IRC, uma questão que recentemente foi alvo de um despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, e que tem sido aduzida como a mais óbvia das razões para esta deslocalização. E não estamos perante a dupla tributação económica das SGPS porque, à partida, não vai haver SGPS em Portugal para receber os tais dividendos.

 

Como o Negócios hoje descreve, nos planos da família Soares dos Santos está a extinção da própria casa-mãe em Portugal – a Francisco Manuel dos Santos SGPS, que detém os 56% da Jerónimo Martins SGPS (JM SGPS).

 

A venda anunciada dos 56% da JM SGPS à Francisco Manuel dos Santos BV (FMS BV, a sociedade holandesa que replica a estrutura da holding portuguesa e vai absorver 7% das acções próprias desta) será apenas uma operação intermédia para este plano global de transferência de todos os activos da família para a Holanda.

 

Completada esta operação de reorganização societária, complexa e cheia de nuances, será preciso ver quem são os accionistas da FMS BV que ficam em Portugal a receber os lucros. E neste campo, segundo descreve hoje o Negócios, eles são maioritariamente singulares – recebem dividendos e declaram-nos em IRS. Sendo residentes, pagam 25% de IRS (se optarem pela taxa liberatória) ou englobam-nos no rendimento, como fariam se os dividendos fossem distribuídos pela FMS SGPS. O facto de eles virem da Holanda, permite aos accionistas deduzirem no IRS cá o que o país baixo lhes reterá na fonte: 10%.

 

Sendo a maioria dos accionistas singulares, há um que tem as suas participações através de uma sociedade. Não se sabe qual a natureza jurídica da mesma nem o montante da participação, o que tem impacto na análise sobre as consequências ao nível do IRC sobre os dividendos. Mas se a participação for superior a 10%, e estável, as regras de tributação dos dividendos não se alteram só pelo facto de virem da Holanda.

 

Chegados até aqui, pode-se concluir que, com a estrutura societária que se perfila e caso a empresa apenas se reorganizasse para gerir as suas operações em Portugal, do ponto de vista tributário, a operação seria neutra para a família e lesiva para o Estado por via do IRS que tem de partilhar com a Holanda.

 

Mas claro que as variáveis podem mudar – e deverão mudar. Ao afirmar que vai para o exterior para conseguir melhores condições de financiamento, o grupo está a deixar implícito que tem alguns projectos de investimentos na calha (não se confundam com os planos da Jerónimo Martins SGPS propriamente dita, que muito provavelmente fará a sua expansão para a Colômbia através de outra BV – “SGPS holandesa”).

 

E, em função da localização desses novos investimentos, a Holanda poderá oferecer muito mais vantagens ao nível fiscal, financeiro e regulamentar, como tem sido amplamente descrito. Mas será preciso esperar para saber, entre outras coisas, onde quer a família investir e como, e como se organizarão os accionistas em Portugal (continuarão a receber dividendos como pessoas singulares, constituem-se em sociedades, etc.) para se poder fazer qualquer análise mais segura sobre as poupanças fiscais que daqui advêm para o grupo.

 

 

Elisabete Miranda