Martim vs Raquel: de que lado está a literatura sobre o salário mínimo?

22/05/2013
Colocado por: Nuno Aguiar

É um daqueles momentos televisivos com uma profundidade limitada, mas que marca simbolicamente uma discussão. No “Prós & Contras” de segunda-feira, Martim Neves, um rapaz de 16 anos que criou uma marca de roupa, deu uma resposta à historiadora Raquel Varela que contagiou imediatamente as redes sociais e lançou a discussão na blogosfera. Por esta altura, já deve ter visto o vídeo, mas se tiver chegado hoje da caverna de férias, veja em baixo:

 

 

O objectivo de Martim não era defender o valor do salário mínimo, mas esta troca de argumentos relançou uma discussão que tinha sido despertada pela última vez por Pedro Passos Coelho. O primeiro-ministro argumentou em Março deste ano que, num contexto de desemprego muito elevado, “a medida mais sensata que se pode tomar” é reduzir o salário mínimo, incentivando a criação de mais postos de trabalho pelas empresas.

 

O impacto do salário mínimo no emprego é um tópico de discussão antigo e existe bastante literatura portuguesa sobre o tema. Em 2006, num paper do Banco de Portugal (BdP), Pedro Portugal escrevia que “o resultado da alteração dos salários mínimos sobre o emprego é ambíguo” e que “a investigação empírica acumulou um vastíssimo repositório de resultados contraditórios, por vezes suportando a indicação de perdas de emprego, noutras vezes apontando para a ausência de efeitos sobre o emprego ou até para algum ganho modesto de emprego”.

 

Já este ano, o investigador do BdP mostrava-se crítico à ideia de aumentar o salário mínimo. “O salário mínimo em Portugal corresponde já a cerca de 77% do salário mediano (um dos valores mais elevados da OCDE) e cerca de 50% dos trabalhadores recém-contratados auferem, precisamente, o salário mínimo. Esta é uma indicação clara de que o actual nível da remuneração mínima garantida é, de facto, uma restrição activa”, escreve. “É absolutamente legítimo que uma sociedade decida estabelecer um nível mínimo de remuneração do trabalho de acordo com as suas preferências éticas e sociais. Não é possível, contudo, deixar de ter presente que o estabelecimento de salários mínimos muito desalinhados com a produtividade, geram necessariamente desemprego e inactividade que terão de ser adequadamente apoiados através de políticas públicas.”

 

Em 2011, outros investigadores do BdP – Mário Centeno, Cláudia Duarte e Álvaro Novo – voltaram ao tema: “Globalmente os resultados apontam para um efeito negativo de aumentos do salário mínimo do emprego de trabalhadores com baixos salários, que tem como contrapartida pequenos ganhos salariais”, pode ler-se no estudo. “As atualizações mais recentes e de maior dimensão do salário mínimo conduziram a reduções significativas da desigualdade salarial na aba inferior da distribuição dos salários. Esta compressão dos salários foi explicada por aumentos salariais significativos nos percentis mais baixos e aumentos salariais abaixo da média da economia nos salários medianos. No entanto, estes aumentos também estão associados a reduções no emprego, com um aumento da instabilidade de emprego dos trabalhadores com salários mais baixos.”

 

Um paper conjunto da Universidade do Minho e da Universidade do Porto (2011) apoia esta argumentação. Para os investigadores, “o aumento do salário mínimo tem um efeito negativo sobre a sobrevivência das empresas, embora a magnitude desse efeito seja reduzida”. “Conclui-se, por isso, que os efeitos negativos identificados sobre o nível de emprego não resultam tanto do encerramento de empresas, mas antes da dinâmica de criação e destruição de emprego por empresas que se mantêm em actividade.” E são ainda mais incisivos. “Com base nos resultados obtidos, é possível prever que o aumento imediato do SMN para €500, conforme acordado em 2006, originará uma diminuição do emprego que variará entre -0.34% no cenário de baixo aumento dos preços da produção interna (1%) e -0.01% no cenário de aumento dos preços alta (3%).”

 

Esta não é, contudo, a única perspectiva sobre o tema. Um paper escrito por Ricardo Paes Mamede, no Gabinete de Estratégia e Estudos, do Ministério da Economia, apresentava conclusões diferentes, argumentando que o acordo de Concertação Social para subir o salário mínimo representa apenas 0,13% do volume total de ganhos dos trabalhadores por conta de outrem a tempo integral. “O impacto relativamente modesto do acordo sobre a evolução da RMMG [Remuneração Mínima Mensal Garantida] em termos de custos salariais reforça a ideia de que o acordo alcançado poderá estar a contribuir para diminuir a incidência do fenómeno dos 'trabalhadores pobres' em Portugal, sem com isso pôr em risco o desempenho da economia portuguesa na sua globalidade. Tendo em conta que os salários são apenas uma parcela dos custos totais das empresas, os efeitos globais do acordo para a competitividade do conjunto das empresas portuguesas em 2008 serão provavelmente diminutos.”

 

Num outro estudo publicado pela Faculdade de Economia, da Universidade de Coimbra, e da autoria de John Addison, McKinley Blackburn e Chad Cotti, a conclusão é que “mesmo durante uma recessão económica significativa, aumentos do salário mínimo não parecem ter efeitos particularmente fortes na redução do emprego no sector da economia mais provável de ser afectado pelo salário mínimo”. Contudo, para alguns grupos específicos, como os adolescentes,”sugere-se que o grande aumento do desemprego jovem durante a recessão é pelo menos parcialmente explicado por um aumento paralelo do salário mínimo.

 

Com algumas diferenças, parece ser mais ou menos consensual que um aumento significativo do salário mínimo tem efeitos negativos sobre o emprego. Mas (e é um “mas” decisivo), a literatura também parece indiciar que esse impacto económico é menos relevante do que muitas vezes parece. A partir daí, a ponderação é política.

 

Actualmente, quase 600 mil portugueses recebem 485 euros por mês (432 líquidos), o que representa 12,7% dos trabalhadores quando, em 2007, eram apenas 6%.

Nuno Aguiar