O Barça como nunca o viu
27 Março, 2014
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(esta peça saiu no Premium do Record online mas acho que a merecem ler, modéstia à parte)
Joan Vilá Bosch é o Diretor de Metodologia do Barcelona, onde está há 40 anos. É uma espécie de guardião da alma do clube catalão e da sua filosofia de jogo. Bosch esteve em Portugal e participou no Fórum do Treinador que foi organizado pela ANTF. Aí, sem complexos, revelou o segredo de uma equipa especial, perante uma plateia com mais de 200 treinadores portugueses, entre os quais Leonardo Jardim, Rui Vitória, João Alves, Bernardino Pedroto, Henrique Calisto, Rui Quinta, José Mota e Domingos Paciência.
Bosch começou por dizer que este Barça que todos conhecemos teve origem nas ideias de “futebol total” do treinador holandês Rinus Mitchel. Mas a grande mudança no clube catalão dá-se com a chegada de Joan Cruyff à sua cadeira de sonho. Logo aí ficam definidos os grandes objetivos da equipa blau grana: jogar e desfrutar; para jogar devemos ter a bola; recuperar depressa a bola para jogar e desfrutar.
O novo modelo, que passava por uma equipa com três defesas, não pegou propriamente de estaca. “Perdemos alguns jogos mas aprendemos a confiar em nós e o no nosso jogo associativo”, recordou Bosch, para quem o momento-chave aconteceu quando Pepe Guardiola e Paco Seirulo se juntaram. “Uniram-se os dois melhores, foi a tempestade perfeita”, referiu a propósito.
Também se ficou a saber que o Barcelona tem três novas áreas de aposta e investimento: os departamentos de metodologias, do treino de guarda-redes e das relações institucionais. Nada acontece por acaso na casa do tique-taka, onde já se contam quatro equipas femininas.
Ter a bola e desfrutar
“Os nossos sócios não querem só ganhar – eles querem ganhar jogando bem”, frisou ainda Bosch. “Não queremos ser uma questão passageira”, acrescentou, definindo bem a hierarquia de prioridades do projeto: primeiro, o jogador (“é o mais importante”); depois, o treinador (“a persona”); em 3.º “o nosso jogo” e por fim o treino. “Acreditamos no talento dos jogadores mas também acreditamos no treino”, acentuou.
Esta filosofia de jogo que passa por “ter a bola para jogar e desfrutar” implica, por outro lado, um cuidado muito especial na preparação-construção de um jogador, com uma análise em pormenor das suas várias valências, entre as quais a criatividade e a cognição. “Hoje o vídeo é fundamental para observarmos um jogador”, disse, informando que até aos 11 anos os jogadores da escola do Barça não são condicionados por questões táticas ou pela necessidade de ganhar. “Importa sobretudo potenciar a sua relação com a bola”, informou. Só a partir dos 12 anos se inicia o processo que podemos definir como “tecnifisação”, ou seja, a introdução de fundamentos técnicos e tático. “No Barcelona não queremos apenas melhorar, queremos otimizar”, sublinhou Bosch.
Puyol, o capitão perfeito
“Não queremos que os nossos treinadores gostem do nosso jogo, queremos que estejam apaixonados por ele”, são ainda palavras de um dos mentores do belo jogo dos catalães. Um jogo que se define pela posse de bola, pela qualidade de passe, pela alternância de futebol curto e largo e sobretudo pela grande mobilidade dos jogadores, proporcionando ao portador da bola várias opções para dar sequência à jogada. No fundo, um carrossel. “Com a bola toda a equipa desfruta, sem ela toda a equipa corre”, disse Bosch. “No Barça não jogamos com transições mas num contínuo de complexidade”, onde “aprender a olhar” é importante, isto é, “ter a perceção do espaço, do tempo e do ritmo”.
Bosch deu ainda o exemplo de Iniesta, “um jogador extraordinário, com uma capacidade impressionante para interpretar e compreender o jogo”. E falou também de Puyol. “Quando chegou ao Barcelona era tecnicamente muito limitado mas foi o capitão perfeito”, elogiou.
Enfim, uma grande lição de futebol e também de vida.