EU E O BOM GIGANTE
Conheci José Torres, o Bom Gigante, no Mundal do México, em 86. Tinha apenas 24 anos e era o mais jovem jornalista na cobertura da saga dos Infantes em terras mexicanas. Nesses tempos, os jornalistas partilhavam o hotel (e sabe-se lá o que mais) com os jogadores. Não me lembro de ter ido a esta famosa sapataria de Saltillo mas lembro-me bem da noite que se seguiu ao nosso triunfo sobre a Inglaterra. Houve festa na penhouse do Motel La Torre. Comida, bebida e muito jovem companhias com fartura. Fiquei na mesa do seleccionador nacional e a conversa fluíu. Torres estava bem disposto. A dado ponto, já a festa ia alta, com o elevador a subir e a descer, e o Bom Gigante tocou-me no ombro e disse: “Então, miúdo, não te atiras a elas?” Confesso que estava um tanto perplexo com a cowboiada e argumentei: “Mister, hoje levanto-me às seis da manhã para picar o primeiro telex do dia, com o serviço de O Comércio do Porto…” Fui dormir e as luzes da penthouse continuáram acesas até ser dia. O resto da história todos conhecem: perdemos com a Polónia, perdemos com Marrocos e viemos embora zangados, ficando a rebelião a ser a grande história da campanha.
No rescaldo do chamado “Caso Saltillo”, o meu jornal de então, a Gazeta dos Desportos, destacou-me para ir à Luz ao treino do Benfica. Lá fui. Debaixo de um alpendre que havia à entrada do campo de treinos reencontrei José Torres, que já não era o seleccionador nacional, à conversa com uma dezena de adeptos benfiquistas. O assunto: Saltillo, naturalmente. Infiltrei-me e fui gravando tudo na minha cabeça. “Amândio de Carvalho é um burro”, disse a determinado momento o Bom Gigante. O meu chefe de redacção da altura não encontrou melhor manchete que esta frase.
Seguiu-se o processo judicial. Para não arranjar mais problemas a um jornal que não vivia desafogado, acabei na secretaria do tribunal de Almada e pedir desculpa a Amândio de Carvalho e o jornal no dia seguinte fez o mesmo. Não foi propriamente o meu melhor momento na profissão. Mas é um momento que recordo até com alguma ternura na hora de chorar a morte do Bom Gigante.
Já lá vão 24 anos…