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O ano acaba quase sempre assim, com os profissionais mais experientes a desfrutar o quente natalício em casa, os estagiários a aproveitarem a oportunidade para aparecerem e os telespectadores a lev..." /> — ler mais..

O ano acaba quase sempre assim, com os profissionais mais experientes a desfrutar o quente natalício em casa, os estagiários a aproveitarem a oportunidade para aparecerem e os telespectadores a lev..." /> Quinta do Careca - Record

Quinta do Careca

Maré de asneiras natalícias

30 Dezembro, 2013 0

O ano acaba quase sempre assim, com os profissionais mais experientes a desfrutar o quente natalício em casa, os estagiários a aproveitarem a oportunidade para aparecerem e os telespectadores a levarem com o tradicional “qualquer coisa” em que nos especializámos.

Não é um fenómeno da comunicação social mas uma tendência a que conduziu o desinvestimento – e a necessidade de sobrevivência, é certo – feito pelas empresas, que com menos meios têm de tentar fazer melhor.

Como não há varinhas de condão, o resultado do estado a que chegámos só pode ser catastrófico e as asneiras ditas e escritas nesta altura atingem proporções aterradoras, sem que o grau de exigência de quem manda tenha, dadas as circunstâncias, capacidade para contrariar a maré negra.

Sei que é uma guerra perdida e, como fico a ferver só de abordar este tema, desejo a quem me lê um 2014 o menos infeliz possível e sigo o conselho da jornalista que, por estes dias, num canal qualquer, me recomendava “uma boa caminhada a pé”. Vou nessa, nem que seja sentado. Até para o ano, leitor.

Antena paranoica, CM, 28DEZ13. Agora pode visitar também a Quinta do Careca em www.alexandrepais.pt

O repto de Bruno de Carvalho para 2014

29 Dezembro, 2013 0

O presidente do Sporting alertou os adeptos para os perigos que correm as medidas de salvação do clube encetadas após a sua chegada, se não se aumentarem as receitas, nomeadamente no apoio às modalidades e através de adesões de sócios. Um problema com que se debate o emblema de Alvalade e mais uns largos milhares de associações e empresas portuguesas.

Bruno de Carvalho, de cujo estilo truculento não sou particular admirador, não merece elogios por ter o Sporting à frente da Liga neste final de 2013 – era 8.º, há um ano, a 21 (!) pontos de Benfica e FC Porto – já que isso é só um dos muitos fatores positivos que resultam de atos da gestão responsável que empreendeu.

Os leões, é bom que se sublinhe, e uma outra vez nunca será excessiva, estiverem à beira da rutura total, da falência. E só a coragem da nova direção no abate das despesas, algumas absurdas, muitas insensatas e quase todas fruto de um voluntarismo suicida, permitiu estancar a ferida e ganhar tempo e espaço para poder respirar e sobreviver.

Por muito difícil que seja uma tarefa de saneamento financeiro, ela depende basicamente da capacidade de quem lhe meteu ombros. Já o combate pelos proventos implica que venham reforços, pois a entrada de dinheiro não depende apenas do que queremos mas da vontade de terceiros. O Sporting pode decidir cortar todas as despesas que entender, o que não lhe é possível é decretar o aumento das receitas.

O apelo do líder leonino, para mais em plena crise económica e social no País – crise que promete acentuar-se com mais cortes e maior carga fiscal em 2014 – esbarra num muro quase intransponível: o da credibilidade perdida. Os adeptos cansaram-se de aventuras, desiludiram-se com a gestão errática, fartaram-se de mentiras e descreram do futuro do seu clube. Concentraram-se, então, noutros interesses, em diferentes caminhos, em desafios com menor risco. Fugiram não do Sporting mas do sofrimento.

Ainda desconfiados, espreitam de longe. Fazê-los voltar a acreditar e regressar para as boas emoções do velho leão de sempre é o trabalho a desenvolver em 2014. E é para gigantes, Bruno.

Canto direto, Record, 28DEZ13. Agora pode visitar também a Quinta do Careca em www.alexandrepais.pt

Chegámos a isto – 4

25 Dezembro, 2013 0

1. Concordo com a justificação do presidente do Tribunal Constitucional para a recusa de aprovação dos cortes das pensões da Caixa Geral de Aposentações. Ouvi a defesa do “balanceamento” e a crítica à “desconformidade”, o que é bonito. Só não entendo porque não seguiu esse caminho o TC quando deu luz verde ao confisco de reformas do regime geral. Os doutos juízes irão aposentar-se pela CGA? Sim, mas isso será simplesmente uma coincidência.

2. Bandeiras em arco não faltam pelo acordo entre o PS e a maioria quanto à reforma do IRC, com muitos opinadores animados com o que essa aliança poderá trazer no futuro. Só se Seguro não estivesse bom da cabeça, claro. O líder socialista deu apenas um sinal de boa vontade que lhe valeu mais alguns milhares de intenções de voto, mas não se disporá a ir além disso. Por um lado, não lho permite o partido, que não quer misturas com a política de direita – ou seja, com o trabalho sujo que tanto jeito lhe dará quando for poder – e por outro não precisa, já que a governação acabará por lhe ir parar às mãos. Em 2015, ou mesmo antes, se em junho o programa cautelar trouxer, em vez do abrandamento sonhado, novas cargas de austeridade.

3. A greve de professores no dia das provas de avaliação pôs outra vez o país contra eles. Não pela posição em si, que seria respeitável se o ensino não tivesse descido aos níveis que conhecemos, mas pela postura adotada pelos grevistas, que ninguém gostaria de ver transmitida aos filhos: histerismo e fitas preparadas para os telejornais – a senhora que levou o bebé, por “não ter a quem o deixar”, o que fará na hora de ir trabalhar? –, desrespeito pelos direitos dos não grevistas, insultos aos agentes da polícia – apelidados de “palhaços” por cumprirem o seu dever – e aos próprios colegas, classificados de “carrascos” por colaborarem nas avaliações. Ficámos esclarecidos quanto ao civismo de pessoas cuja profissão exige que comecem por ser exemplo.

4. Na RTP, o ministro da Educação passou com distinção no severo exame a que o sujeitou José Rodrigues dos Santos, a propósito de mais uma situação conflitual com os docentes. Habituados à modéstia do raciocínio de alguns membros do Executivo, foi reconfortante ver Nuno Crato defender, com argumentos razoáveis e entendíveis por toda a gente, a opção pelas provas. Concorde-se ou não.

5. Aproxima-se o final do ano e nascem balanços diários e para os mais diversos gostos nos órgãos de informação. Curiosamente, não se consegue encontrar quase nada quando se procuram motivos de satisfação para os portugueses. As más notícias tornaram-se norma e chegam até a parecer razoáveis mal surgem as péssimas. Pesquisando bem, talvez se conclua que o único momento de alegria coletiva em 2013 se deu com a qualificação da Seleção Nacional para o Mundial do Brasil, uma proeza que se ficou a dever, em grande parte, ao talento indiscutível de Cristiano Ronaldo e à férrea determinação de Paulo Bento. E mal vai um país quando só o futebol, episodicamente, e as telenovelas, todos os dias, caçam os fantasmas que nos atormentam a vida.

Observador, Sábado, 24DEZ13. Agora pode visitar também a Quinta do Careca em www.alexandrepais.pt

A pobreza instalou-se na RTP Internacional

23 Dezembro, 2013 0

Uns dias fora do país permitiram-me rever a RTP Internacional, com que me deparara noutras viagens e que sempre me pareceu um canal modesto mas honrado. Entretanto, tudo piorou.

A programação é pobrezinha, com rubricas que nada interessam aos emigrantes ou aos turistas portugueses, como uma entediante reportagem sobre artes marciais ou entrevistas com artistas (?) que ninguém conhece ou quer conhecer, e que não são utilizadas na RTP nacional. Nem nas privadas, que também lá despejam o seu refugo.

Muitas vezes, não existe ligação entre os programas, repetindo-se uma espécie de “mira técnica”, com várias cores e números, e os telejornais entram de supetão, a meio das palavras dos pivôs, verdadeiramente “à padeiro” – para usar uma expressão ao nível do serviço prestado pela estação pública.

Não é difícil aceitar que esta aberrante baixa de qualidade esteja diretamente relacionada com a redução de meios a que a RTP, como outras empresas, tem sido forçada. E se é assim, e como falamos de televisão e não de salsichas, seria melhor fechar a loja.

Antena paranoica, CM, 21DEZ13. Agora pode visitar também a Quinta do Careca em www.alexandrepais.pt

A palidez do Benfica e a dúvida do FC Porto

21 Dezembro, 2013 0

O Benfica assinou ontem mais uma exibição pálida e nada de acordo com as potencialidades do seu plantel. É verdade que encontrou pela frente uma equipa completamente modificada, para melhor, “milagre” nascido da inatacável competência de José Couceiro. O V. Setúbal jogou muito motivado, de forma compacta, com grande pressão sobre os adversários e só na segunda parte se afundou a seguir ao centro magistral de Gaitán, meio golo colocado na cabeça de Rodrigo, que fez o outro meio.

O rendimento dos encarnados subiu então porque Jesus abdicou, com 45 minutos de atraso, do “travão” ao fluxo de ataque que Fejsa constitui e porque Enzo passou a ser mais rápido e marcou, com Matic e Gaitán, toda a diferença. A qualidade do trio do meio-campo disfarça as dificuldades que se agravam à medida que a bola se aproxima da área do opositor e que resultam numa gritante ausência de oportunidades de golo.

Desafio menos complicado, até por atuar no Dragão, teve o FC Porto, que chegou à goleada e não permitiu que se percebesse se a minicrise que atravessou foi totalmente ultrapassada. Isso porque o Olhanense não constitui hoje, e ainda por cima fora de casa, um obstáculo de peso. A equipa sofre de graves desequilíbrios, joga sem pressas e não pressiona, é incipiente nas transições e não consegue desenvolver o futebol ofensivo.

Os portistas não precisaram de abandonar a enervante lentidão em que parecem viciados e conduzidos pelo virtuosismo de Carlos Eduardo – cuja “explosão” confirma a importância de se descobrirem os talentos antes de saírem do ninho – construíram o resultado. Mas persiste a dúvida sobre a saúde competitiva dos azuis e brancos, e o abraço coletivo no banco, após cada golo, é revelador do esforço que está a ser feito para apoiar o trabalho do treinador. O confronto de dia 29, em Alvalade, para a Taça da Liga, já ferve e poderá desfazer essa dúvida.

Com os grandes rivais a não convencerem os seus adeptos, o Sporting tem agora oportunidade não só de se manter na liderança da Liga como de aumentar a expetativa pelo próximo duelo com os dragões. E de condicionar a tranquilidade a Norte…

Canto direto, Record, 21DEZ13. Agora pode visitar também a Quinta do Careca em www.alexandrepais.pt

Selfies: a vaidade não tem limite

20 Dezembro, 2013 0

Por estes dias, no regresso de breve visita a um país do primeiro Mundo, esbarrei na Portela com uma lamentável receção aos turistas que nos procuram: um único funcionário do SEF verificava tranquilamente os passaportes, indiferente à impaciência das vítimas que bocejavam na fila. Instintivamente, peguei no telemóvel e registei o triste quadro. Apesar de lento no seu trabalho, o homem apercebeu-se do disparo da objetiva – a mais de 30 metros – pelo que parou com o que estava a fazer, abandonou o seu posto e veio exercer sobre mim a autoridade: ali, não se podiam captar imagens, mesmo que, como era o caso, o local fosse público e apenas se vissem pessoas de costas e uma cabina ao longe. Tive sorte: sem o burburinho dos desesperados, a criatura era capaz de ter arranjado uma lei para me confiscar o iPhone.

Esta perseguição ao cidadão-repórter, uma figura de que também não gosto mas à qual já não conseguiremos fugir, está evidentemente condenada ao fracasso. Se há tanta gente, amordaçada por todas as ditaduras do Planeta, que arrisca a pele para denunciar com as pequenas câmaras ocultas a brutalidade do terrorismo dos seus estados, como querem estes frustrados agentes da repressãozinha a que ainda têm direito vencer uma batalha contra o futuro? Quando as fotos forem tiradas com a facilidade e a discrição permitidas por relógios de pulso ou óculos escuros, por exemplo, como farão?

O grande êxito das redes sociais está ligado à capacidade que qualquer anónimo tem hoje de recolher e publicar imagens, de opinar sobre a minhoca da fruta, de insultar governantes ou treinadores de futebol, de desancar pessoas que inveja ou de que simplesmente não gosta. Só quem triunfa na profissão, quem tem a vida bem resolvida ou quem dispõe da possibilidade de encontrar o que julga ser a fama a dizer obscenidades ou a protagonizar cenas pornográficas na televisão – perante o irreprimível orgulho da família, “continua assim, és grande!” – resiste sem dificuldade ao apelo de ser finalmente reconhecido pelas primas. Os outros, muitos com o sentido da própria existência por descobrir, seguem pelo atalho da auto-afirmação com o ímpeto do touro que desemboca na arena pronto a partir tudo.

Nasce daí esta moda das fotos selfies. No meio de reflexos de beleza e bom gosto, de expressões de afetos, de manifestações de humor e de comunicação saudável entre amigos, deparamos com o terror praticado por gente sem espelhos em casa e apostada em atingir-nos com a sua insuportável vaidade. Nada com que não possamos coexistir. A vida está tão pesada que antes a exaltação dos egos do que a desistência. Vem aí outro ano, aguentemo-nos. 

Observador, Sábado, 19DEZ13. Tema de Sociedade da semana: as selfies. Agora pode visitar também a Quinta do Careca em www.alexandrepais.pt

Belenenses mais fraco sem Diakité

19 Dezembro, 2013 0

A saída de Diakité do Belenenses para o Benfica de Luanda, sendo um prémio justo para o jogador – que a caminho dos 34 anos faz o último bom contrato da sua vida de futebolista – representa igualmente uma baixa de relevo para os azuis, que terão dificuldade em encontrar um substituto à altura do internacional maliano.

Se é certo que ninguém é insubstituível, a verdade é que a delicada situação na tabela da Liga e a relativa modéstia das atuações da equipa de Belém – com uma capacidade atacante bastante deficiente – aconselhariam a manutenção até final da época de jogadores fiáveis e regulares, como é o caso do médio que deixa o Restelo.

Com Kay sentado no banco e Diakité de fora, perde-se de vez aquele que foi um dos grandes trunfos do Belenenses na temporada passada: a eficácia nos lances de bola parada, com quatro ou cinco “torres” dentro da área adversária. Para um ataque que não concretiza, o desaparecimento desta “ajuda” só piora o cenário. Mas, enfim, nada dura para sempre e a vida continua. Para o que parte e para os que, ficando, terão de resolver os problemas.

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Ainda há juízes em Berlim

15 Dezembro, 2013 0

O “Correio da Manhã” viu há dias a justiça dar-lhe razão no processo que lhe moveu Duarte Lima a propósito de um artigo de opinião em que, abordando o crime económico, era referido o caso que envolve o BPN e o antigo deputado. Nada tenho de pessoal contra o suposto ofendido e limito-me a acompanhar as contas que lhe pedem na expetativa de decisões que o condenem ou ilibem. E é à luz desse princípio que acho saudável o recurso à via judicial por parte dos que se sentem atingidos no seu bom nome. Os tribunais existem para dirimir essas querelas, os litigantes pagam com as custas o serviço público e os advogados trabalham.

Mas confesso que admiro a inteligência dos verdadeiros artistas, daqueles que mesmo metidos em grandes alhadas encaram a desgraça com “fair play”, dando entrevistas ou editando livros, não sendo mais estúpidos os que metem o rabo entre as pernas e desaparecem, apostando no poder branqueador do esquecimento. Restam os que optam pela guerra e culpam os jornalistas, desprezando um simples pormenor: ainda há juízes em Berlim.

Antena paranoica, publicado no CM de 14 dezembro 2013

A propósito de Cristiano Ronaldo: deixemos Marte para os marcianos

14 Dezembro, 2013 0

Dezassete dias depois de se ter lesionado, Cristiano Ronaldo regressou e somou mais um golo à sua coleção. Serão mais de 70 em 2013, outro número “do outro mundo”. O problema está nas largas dezenas de partidas que teve de disputar em 12 meses, como se a máquina humana fosse construída de ferro em vez de carne e osso.

Após o gigantesco esforço feito em Estocolmo, no confronto decisivo da Seleção, aconselhava o bom senso que o CR7 não tivesse atuado em Almería, pelo Real Madrid, poucos dias decorridos. Mas a euforia causada pelo espectáculo que proporciona, a dependência da equipa e a própria energia física e mental do nosso craque – e a sua ambição, essa sim de aço – só conhecem uma vontade: a de que jogue sempre. E Cristiano, que ainda apontou o primeiro golo dos merengues, acabou por sair, lesionado, no início da segunda parte. Sim, porque nem com a vitória garantida o homem abranda.

Passava-se o mesmo com Messi, também ele a conseguir, em épocas consecutivas, estatísticas “estratosféricas”. Até que chegou a hora em que não deu para aguentar mais e o maestro argentino, na sequência de breves mas repetidos interregnos, teve de parar – e por dois meses.

Coloco a questão a meio ano de um Mundial em que o sonho dos portugueses volta a percorrer caminhos para os quais não teremos pernas nem condições. E uma vez mais, na quilha do barco que fura o nevoeiro da realidade surge a imagem sebastiânica do madeirense. Mas de que Cristiano disporemos em Junho se o Real Madrid for, por exemplo, à final da Champions e, reentrando na luta pela Liga, a disputar até à derradeira jornada?

Tenham os madridistas um fim de época alucinante e dificilmente o capitão da Seleção se apresentará no Brasil sem acusar o desgaste causado por um esforço sobre-humano. Dir-me-ão que idêntica limitação sentirão outras estrelas. Certamente, mas é seguro que não jogaram tanto, não marcaram tantos golos, não percorreram tantos quilómetros, não levaram tanta tareia, nem deram tanto de si pelos seus objetivos profissionais como Cristiano. É melhor pormos os pezinhos na Terra e deixarmos Marte para os marcianos.

Canto direto, Record, 14DEZ13

Crónicas da Sábado: O que fez Cavaco

13 Dezembro, 2013 0

Conheci Carlos Fino numa visita que fez a Lisboa, nos idos de 70. Conversámos por breves minutos nos estúdios da RDP, então na Rua Sampaio e Pina, nas já míticas instalações do velho Rádio Clube Português, de boa memória. Eram dias difíceis: para ele, que trabalhava em Moscovo no fio da navalha soviética, e para nós, envolvidos em disputas partidárias numa estação oficial cativa de interesses políticos. Quando estive na capital da então URSS, na viagem oficial do Presidente Costa Gomes, em 1975, vi bem como apertava a malha do controlo policial do regime e como até as conversas que os jornalistas portugueses mantinham uns com os outros eram escrutinadas por colegas russos que falavam fluentemente a nossa língua. Calculo, por isso, o exercício que constituiria ser correspondente naquela freguesia e tive pena de não ter aprofundado com o Carlos a magna questão. Vivíamos depressa de mais e a oportunidade perdeu-se.

Decorridas quase quatro décadas, é deveras complicado, para não dizer impossível, que quem não a viveu compreenda a realidade da época. E nem é preciso recuar tanto no tempo para que essa complexidade se coloque. Podemos, por exemplo, recordar o pecado que é hoje injustamente atirado à cara do bode expiatório de todas as desgraças da nação: Cavaco Silva. A propósito da morte de Nelson Mandela e do envio natural das condolências em nome de Portugal, não faltou quem lembrasse ao Presidente o voto desfavorável à moção que pedia – nas Nações Unidas, há 26 anos – a libertação dos presos políticos sul-africanos e apoiava a luta armada contra a ignomínia do apartheid. Cavaco era primeiro-ministro e a decisão pertenceu-lhe.

Estar de fora e defender o politicamente correto é fácil, mais ainda quando Mandela passou de preso político a símbolo universal. Mas, na altura, quem decidia tinha sobre si pesadas e acrescidas responsabilidades. Com Angola e Moçambique a braços com guerras fratricidas, os emigrantes instalados na África do Sul tinham aumentado de forma drástica e seriam então mais de 600 mil. Apoiar a luta armada, por muito legítima que fosse face à crueldade da minoria branca, poderia resultar numa retaliação sobre a nossa comunidade e no seu inevitável envolvimento no banho de sangue que se anunciava.

Os dez anos de permanência de Cavaco Silva em S. Bento foram-me penosos, já que alguns dos seus agentes na comunicação social me perseguiram profissionalmente, o que me leva a sentir simpatia zero pela trupe. Mas não me deixo arrastar por menoridades. Em 1987, Cavaco não quis arriscar, em nome do que devia ser feito, a vida de milhares de portugueses. E fez bem. 

Observador, Sábado 12DEZ13. Tema de Sociedade da semana: entrevist de vida com Carlos Fino