Tentando perceber a reestruturação irlandesa

12/02/2013
Colocado por: Rui Peres Jorge

A Irlanda reestruturou cerca de metade da dívida que contraiu durante a crise para fazer face aos problemas no seu sistema financeiro. A operação, anunciada no final da semana passada, é um marco na história da crise do país, mas também da Zona Euro: um sinal de flexibilização e negociação dentro da Zona Euro que merece ser analisado com detalhe. Alguns elementos centrais:

 

– A Irlanda troca 28 mil milhões de euros das agora famosas “notas promissórias” que emitiu no pico da crise para salvar os seus bancos por obrigações do Tesouro irlandês.

 

– A taxa de juro poderá ser um pouco mais baixa, mas a grande alteração está na maturidade. As primeiras, com uma maturidade de 7 a 8 anos, obrigavam o Estado a pagar 3,1 mil milhões de euros ao ano nesse período. As segundas têm uma maturidade média de 34 anos, e adiam a primeira amortização para daqui a 27 anos, aliviando a pressão no regresso aos mercados de um país com um “stock” de dívida acima dos 120% do PIB.

 

– O negócio, que envolve essencialmente o Governo e o banco central irlandês, mas conta com a anuência do BCE, poderá configurar financiamento monetário (isto é empréstimos do banco central ao Estado), o que está proibido pelos Tratados da UE – este é um tema que ainda promete dar que falar.

 

– Para tentar aliviar essa possível interpretação, o Banco da Irlanda irá procurar vender no mercado as obrigações irlandesas com que ficará em balanço (que substitutem as notas promissórias) e este é referido como um dos riscos de médio prazo da operação.

 

– Uma das grandes vantagens do alargamento das maturidades é o efeito da inflação sobre a dívida: pagar 28 mil milhões de euros daqui a 34 anos é muito diferente de ter de pagar o mesmo montante hoje ou daqui a 7 ou 8 anos. O Free Exchange, da The Economist, faz um bom resumo dos pontos essenciais do acordo (Untangling the promissory knot). Karl Whelan, o economista que toda a gente lê para perceber a dimensão financeira dos desafios irlandeses, aprofunda o tema no seu artigo na Forbes (Ireland's Promissory Note Deal). Além disso, e sobre o mesmo tema, estamos também a ler:

 

2. Rescheduling of promissory notes is monetary financing in all but name. Wolfgang Munchau, no FT, escreve sobre o acordo irlandês, diz que não há dúvidas que é financiamento monetário, mas defende que mesmo assim é a melhor forma de tentar resolver os problemas irlandeses.

 

3. Irish bank debt deal breaks deposit taboo. P O Neil, no “a fistful of euros”, escreve sobre uma dimensão pouco referida mas muito interessante da reestruturação irlandesa: alguns depositantes deverão perder parte do seu dinheiro. (O envolvimento dos depositantes está também a ser estudado no Chipre, escreveu esta semana o FT, aqui citado pela CNBC)

 

4. Promissory notes debt deal a step in the right direction. Donal Donovan, membro do Conselho de Finanças Públicas irlandês, elogia o acordo, defende que muitos dos críticos do Governo irlandês pediam o impossível, mas salienta também que o acordo diz respeito apenas a metade da dívida irlandesa relacionada com o sistema financeiro.

 

5. ELA, Promissory Notes and All That: The Fiscal Costs of Anglo Irish Bank. Para quem quer ir mais fundo na descoberta das especificidades da situação irlandesa, Karl Whelan escrever um paper explicativo para o parlamento irlandês.  

 

6. Transaction Overview. Aqui fica a operação apresentada em 14 slides pelo governo irlandês (muito técnico).

 

Rui Peres Jorge