Reacção dos economistas: Investimento faz travar o PIB

13/11/2015
Colocado por: Nuno Aguiar

O INE surpreendeu os analistas ao revelar uma estagnação da economia no terceiro trimestre deste ano face ao mesmo trimestre do ano anterior. Em termos homólogos, observou-se um crescimento de 1,4%, que também ficou abaixo do objectivo de crescimento para a totalidade do ano. Este resultado deveu-se a uma desaceleração do consumo, mas principalmente do investimento.

 

 

Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium bcp, BPI, NECEP (Universidade Católica) e IMF, isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.

 

Paula Carvalho – Economista-chefe do BPI

 

O PIB do terceiro trimestre desapontou, podendo pôr em causa a nossa actual previsão, de crescimento de 1.6% no conjunto do ano. É preocupante a queda do Investimento que o INE refere, ainda que será importante aferir, na análise do detalhe, o eventual impacto das oscilações de stocks que nos últimos trimestres têm causado alguma volatilidade. Também não é claro o impacto da evolução dos deflatores. Mas no seu conjunto este relatório acaba por realçar o facto de a economia portuguesa continuar a crescer muito pouco e estar vulnerável a factores pontuais, exógenos ou não, adversos. Mantemos a previsão de 1.6% para 2015, sujeito à probabilidade de revisão em baixa.

 

Núcleo de Estudos de Conjuntura da Economia Portuguesa (NECEP)

 

1 – No 3º trimestre de 2015, o PIB teve um crescimento homólogo de 1.4% (variação nula face ao trimestre anterior). Desta forma, o crescimento trimestral desacelerou 0.5 pontos percentuais (p.p.) face ao trimestre de primavera, tendo sido a variação homóloga também inferior (em 0.2 p.p). A ausência de sinais de recuperação cíclica neste trimestre acaba por desiludir mas não altera, de forma material e com base nos dados disponíveis, a hipótese de continuação da recuperação moderada da economia portuguesa.

 

2 – O principal sinal desfavorável é a contracção do investimento que terá sido, de acordo com o INE, o principal responsável pelo anunciado contributo negativo da procura interna para o crescimento trimestral do PIB. No entanto, é importante aguardar pelos resultados desagregados para analisar quer o comportamento do investimento quer da variação de existências, até porque os indicadores de alta frequência disponíveis não são incompatíveis com uma ligeira aceleração da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) no 3º trimestre.

 

3 – A estimativa rápida de um crescimento trimestral abaixo do esperado também pode estar associada, de forma cumulativa, à redução significativa do deflator das importações, referida no destaque do INE. Ao contribuir para uma amplificação do crescimento das importações em volume, a diminuição dos preços médios dos bens importados pode estar a penalizar o crescimento real do PIB numa perspectiva  puramente contabilística.

 

4 – O crescimento da zona euro, divulgado pelo Eurostat, foi de 0.3% no 3º trimestre, o que ficou também um pouco aquém das expectativas que apontavam para uma variação próxima das observadas nos trimestres anteriores (0.4% a 0.5%). Continua a merecer destaque o elevado ritmo de crescimento registado em Espanha (0.8% em cadeia  e 3.4% em termos homólogos). Alemanha e França cresceram em linha com a zona euro (0.3% trimestral, em termos homólogos 1.7 a Alemanha e 1.2 a França). Os dados de Portugal estão na prática alinhados com estas duas economias, mas bem aquém da espanhola.

 

5 – O crescimento mais moderado na zona euro e a diluição dos efeitos da desvalorização do euro e da descida do preço do petróleo poderão estar, ainda, a contribuir para um ligeiro abrandamento do crescimento.

 

6 – Tendo em conta a nova informação desta estimativa rápida do INE, o NECEP deverá rever em baixa, na próxima Folha Trimestral de Conjuntura, a sua estimativa central de crescimento para 2015, embora as estimativas de crescimento tendencial anual se possam manter próximas dos 2%.

 

Rui Bernardes Serra – Economista-chefe do Montepio

 

1 – A estimativa preliminar do INE para o PIB de Portugal no 3.º trimestre apontou para uma inesperada estagnação, depois de uma subida de 0.5% no trimestre anterior (revista em alta em 0.1 p.p. aquando da divulgação das Contas Nacionais Institucionais), saindo aquém das nossas perspectivas e da mediana das projecções das instituições contactadas pela Bloomberg (+0.4%, em ambos os casos).

 

2 – Na óptica da procura, estes dados não nos obrigaram a rever os sinais das estimativas que tínhamos para as principais componentes do PIB, mas tivemos necessariamente que rever a magnitude das variações. Assim, continuamos a estimar crescimentos do consumo privado e do investimento em capital fixo. O consumo privado terá crescido, apenas marginalmente (entre 0.0% e +0.2%), após 1.1% no 2.º trimestre, com o consumo no trimestre a, presumivelmente,  ter sido beneficiado apenas pelas vendas a retalho, mas prejudicado pelas vendas de carros. Por sua vez, o investimento em capital fixo terá subido pouco mais de metade do que tinha avançado no 2.º trimestre (+1.1%). Já antecipávamos um contributo negativo da variação de existências, mas terá sido superior ao perspectivado, anulando o contributo positivo do investimento em capital fixo e conduzindo a uma redução do investimento total, tal como foi referido pelo INE. Esta instituição também referiu, como tínhamos antecipado, que a procura externa líquida contribuiu positivamente, tendo as importações de bens e serviços diminuído de forma mais intensa que as exportações de bens e serviços.

 

3 – Do ponto de vista sectorial, os dados na óptica da oferta, à partida, estavam a revelar-se mais fracos do que os da procura, mas depois de, no 2.º trimestre, o PIB ter subido 0.5%, bem menos do que o VAB (+0.9%), antecipávamos que poderia manter-se uma discrepância, no 3.º trimestre, mas de sinal contrário, ou seja, que o PIB crescesse mais do que o VAB. Efectivamente, a produção industrial evidenciou um decréscimo de 0.4%, no 3.º trimestre (+3.3%) e a produção na construção uma contracção de 0.5%, no 3.º trimestre, (-1.5% no 2.º trimestre). Por sua vez, o volume de negócios nos serviços (excluindo o retalho) evidenciou um decréscimo de 2.0% no 3.º trimestre face ao trimestre anterior (+1.1% no 2.º trimestre). Note-se que devemos ter em consideração o facto de o sector dos serviços ser também constituído pelo conjunto dos serviços públicos, não incluídos nos referidos dados mensais do volume de negócios nos serviços, o mesmo sucedendo pelos serviços contabilizados pelo INE através do volume de negócios no comércio a retalho (as vendas a retalho apresentaram um forte acréscimo de +1.6%), pelo que o nosso indicador compósito para o VAB dos serviços (excluindo as actividades financeiras e imobiliárias) aponta actualmente para um novo acréscimo do sector no 3.º trimestre, embora a um ritmo inferior ao do 2.º trimestre (+0.4%).

 

4 – Nos últimos 11 trimestre, o PIB subiu por oito vezes, estagnou no 3.º trimestre e caiu por duas vezes (no 1.º trimestre de 2014: -0.5% e no 3.º trimestre de 2013: -0.1%), tendo-se observado, nestes nove trimestres, um crescimento acumulado de 3.2%. A economia teve neste trimestre uma performance aquém da Zona Euro (+0.3%), do Reino Unido (+0.5%), dos EUA (+0.4%) e do Japão (+0.1%, de acordo com as nossas previsões). O PIB fez uma pausa na trajectória de crescimento iniciada no 1.º trimestre de 2013, quando colocou termo a um período recessivo que durou nove trimestres, tendo o PIB no 1.º trimestre de 2013 se situado no nível mais baixo desde o 2.º trimestre de 2000, sendo que no 3.º trimestre de 2015 se manteve no nível mais elevado desde o 1.º trimestre de 2012. Note-se que o PIB português é particularmente volátil, sendo de salientar que a média móvel de quatro trimestres revelou uma subida de 1.3%, superior à do 2.º trimestre (+1.2%), representando a 7.ª consecutiva após 10 contracções.

 

5 – Em termos homólogos, o PIB subiu 1.4% no 3.º trimestre (+1.6% no trimestre anterior). O contributo positivo da procura interna diminuiu no 3.º trimestre, reflectindo a desaceleração do investimento e, em menor grau, do consumo privado. A procura externa líquida registou um contributo negativo para a variação homóloga do PIB, porém de magnitude inferior à observada no 2.º trimestre. É ainda de salientar que esta estimativa rápida tem implícito um ganho de termos de troca superior ao verificado no trimestre anterior, com o deflator das importações a registar uma redução significativa, em resultado nomeadamente da diminuição dos preços dos bens energéticos.

6 – Para o total do ano de 2015, perspectiva-se uma aceleração da actividade económica, mas com o crescimento previsto para o PIB a ser revisto de 1.7% para 1.6%. Estas perspectivas têm implícita uma expansão em cadeia do PIB no 4.º trimestre entre 0.4% e 0.6%. Note-se que o fraco crescimento do 3.º trimestre deveria à partida ter como reflexo um maior crescimento no 4.º trimestre, ademais acompanhando a esperada aceleração da Zona Euro. O indicador de sentimento económico (ESI) da Comissão Europeia encontrava-se em níveis consistentes com uma subida em cadeia do PIB de 0.6% no 3.º trimestre e apenas com o dado de Outubro sugere um crescimento de 0.7% no 4.º trimestre. A condicionar o crescimento estará sobretudo a eventual instabilidade política, sendo ainda prematuro perceber qual o seu real impacto. A nossa previsão de crescimento para 2015 encontra-se rodeada de riscos tanto ascendentes, como descendentes.

 

7 – O impacto da descida do petróleo, do euro mais fraco e das novas medidas do BCE colocam riscos ascendentes à nossa previsão. Acresce a possibilidade de a economia espanhola poder continuar a crescer acima do estimado, algo relevante atendendo ao elevado peso que ainda tem nas trocas comerciais com o nosso país (não obstante o esforço de diversificação, as exportações ainda estão muito direccionadas para os nossos parceiros europeus, nomeadamente para Espanha – que representaram, em 2014, cerca de 23.5% do total das exportações de bens portugueses). Os riscos descendentes a nível interno prendem-se com a instabilidade política, a que acresce a ainda difícil situação do mercado de trabalho, do sistema financeiro e os objectivos de consolidação adicional das finanças públicas. Externamente os riscos estão relacionados com a incerteza geopolítica no Médio Oriente, no Leste da Europa, em relação à Grécia e devido aos abrandamentos de diversos mercados emergentes, como a China, Angola ou Brasil. Não obstante os riscos externos, admite-se que a actividade na Zona Euro possa acelerar (suportando as exportações) e que, ao nível interno, os maiores receios em torno da situação do sistema financeiro português já se tenham dissipado, a avaliar designadamente pelo comportamento do indicador de sentimento económico (ESI), que se encontra sensivelmente em níveis máximos desde janeiro de 2008 (atingidos em Abril) e, como referido, revelando-se compatível como acréscimos em cadeia do PIB superiores aos por nós perspectivados no 4.º trimestre.

 

8 – Devido ao efeito de carry-over, as nossas previsões para 2016 ficaram rodeadas por alguns riscos descendentes (um valor que avaliaremos aquando da estimativa final do PIB, a divulgar no final de Novembro, bem como aquando da apresentação do OE-2016). Em todo o caso, o ano de 2016 deverá trazer uma nova aceleração da actividade económica em Portugal, prevendo-se uma expansão anual do PIB de 2.0%, contabilizando o 3.º ano consecutivo de crescimento após a saída do país de recessão e ao maior ritmo desde 2007 (+2.5%). A economia deverá voltar a ser suportada apenas pela procura interna e, em especial, pelo consumo privado e pela FBCF. As exportações deverão apresentar um novo forte acréscimo, mas que será compensado pelas importações, apesar do abrandamento perspectivado, levando as exportações líquidas a apresentar um contributo sensivelmente nulo para o crescimento da economia.

 

9 – O crescimento das exportações ao longo do período recessivo que a economia portuguesa atravessou foi notável e é algo que terá vindo para ficar. No entanto, o crescimento médio observado no período 2011/13 deverá ser superior ao observado no período 2014/16, já que a recessão na economia portuguesa levou muitas empresas a procurarem refúgio nas exportações, conduzindo a um ganho de quota de mercado nos mercados internacionais. Este efeito será menos importante nos próximos anos (num contexto de recuperação da dinâmica interna da economia), mas poderá ser parcialmente compensado pela aceleração do crescimento económico mundial. As exportações continuarão a ser um grande motor do crescimento, mas não necessariamente as exportações líquidas de importações, já que a recuperação da procura interna será acompanhada por um aumento das importações. A grande diferença face ao período pré crise é que, desta feita, o aumento das importações não deverá ser realizado à custa do endividamento externo, mas financiado com as exportações, esperando-se que a balança corrente seja de novo ligeiramente excedentária neste ano. Em 2014, as exportações de bens e serviços cresceram apenas 3.9%, pouco mais de metade do observado no ano anterior (+7.0%) e as importações avançaram 7.2% (bem mais do que os 4.7% do ano anterior), dando origem a um contributo negativo as exportações líquidas de -1.3 p.p., após um contributo positivo em 2013 (+0.8 p.p.) e representando o 1.º contributo negativo desde 2010 (-0.2 p.p.) e o maior desde o observado em 2004 (-1.4 p.p.).

 

Nuno Aguiar