Reacção dos economistas: investimento é o que mais preocupa

31/05/2016
Colocado por: Nuno Aguiar

mário centeno

Fotografia: Bruno Simão

 

Os dados publicados terça-feira pelo INE trouxeram uma boa e uma má notícia. O instituto de estatística reviu em alta o crescimento do PIB do primeiro trimestre do ano (0,8% para 0,9%), mas confirmou uma contracção homóloga do investimento. A primeira em dois anos e meio. Esse é precisamente um dos desenvolvimentos que merece maior atenção por parte dos economistas. José Miguel Moreira fala de “uma surpresa negativa” face “às nossas estimativas iniciais” e Paula Carvalho sublinha que é a rubrica que “mais preocupa”. Ao olhar para todos os dados – que incluem umas exportações em arrefecimento -, o NECEP conclui que eles “sugerem a continuação da trajectória de crescimento modesto que se tem observado desde meados de 2015”. Filipe Garcia classifica as previsões do Governo para o crescimento económico como “muito optimistas”.

 

Nota do editor: No “Reacção dos Economistas” pode ler, sem edição do Negócios, a análise aos principais indicadores económicos pelos gabinetes de estudos do Montepio, Millennium bcp, BPI, NECEP (Universidade Católica) e IMF, isto sem prejuízo de outras contribuições menos regulares. Esta é parte da “matéria-prima” com que o Negócios trabalha e que agora fica também ao seu dispor.

 

José Miguel Moreira – Montepio

 

1 – A estimativa final do INE para o PIB de Portugal no 1.º trimestre apontou para um crescimento, em cadeia, de 0.2%, semelhante ao observado no trimestre anterior, representando, assim, uma ligeira revisão, em alta, face ao acréscimo de 0.1% reportado na estimativa inicial, o qual, recorde-se, tinha saído aquém da mediana das projecções das instituições contactadas pela Bloomberg (+0.4%) e das nossas perspectivas ligeiramente mais optimistas (entre +0.4% e +0.6%).

 

2 – Na óptica da procura, os dados vieram confirmar o aspecto essencial do perfil de crescimento que tínhamos avançado aquando da estimativa inicial, com a principal excepção a caber ao investimento em capital fixo (FBCF), que acabou por observar uma queda, mas recaindo sobre dados revistos em alta, com a descida de 1.6% que tinha sido anteriormente reportada pelo INE para a FBCF no 4.º trimestre – e que justificava, em parte, as nossas estimativas de regresso do agregado aos crescimentos no 1.º trimestre, na medida em que a FBCF também já tinha caído intensamente no 3.º trimestre de 2015 – a ser revista para um ligeiro acréscimo de 0.2%. Esta surpresa negativa da FBCF, face às nossas estimativas iniciais, acabou por ser compensada por um crescimento ligeiramente superior do consumo privado e por um contributo positivo do investimento em existências, quando, neste último caso, se assumia um contributo sensivelmente nulo. A economia foi, assim, como esperado, suportada apenas pela procura interna, e reflectindo essencialmente o crescimento do consumo privado, apesar de o consumo público também ter crescido ligeiramente e o investimento total até ter crescido marginalmente (+0.02%), com as exportações líquidas a penalizarem a actividade económica, reflectindo uma queda das exportações e um acréscimo das importações.

 

3 – Com efeito, a procura interna apresentou um contributo positivo de 0.9 p.p. para o crescimento em cadeia do PIB no 1.º trimestre, depois de já ter apresentado um contributo positivo de 0.2 p.p. no trimestre anterior (-0.4 p.p. no 3.º trimestre de 2015), reflectindo essencialmente o forte crescimento de 1.3% do consumo privado, em aceleração (+0.1% no trimestre anterior, revisto em baixa em 0.1 p.p.) e apresentando um contributo de 0.9 p.p. para o crescimento do PIB (+0.1 p.p. no 4.º trimestre de 2015), mas com o consumo público a suportar também a procura interna (+0.3% vs +0.1% no 4.º trimestre de 2015, revisto dos anteriores 0.0%), num contexto de estabilização do investimento, que, na verdade, até acabou por registar um acréscimo marginal (+0.02% vs +0.6% no 4.º trimestre de 2015, revisto dos anteriores -1.3%). A estabilização do investimento total esteve associada a uma queda do investimento em capital fixo (FBCF), que contraiu 1.2% (+0.2% no 4.º trimestre, revisto dos anteriores -1.6%), apresentando um contributo negativo de 0.2 p.p., mas que foi compensada pelo contributo positivo da variação de existências (+0.2 p.p. vs +0.1 p.p. no trimestre anterior). Já as exportações líquidas apresentaram, como referido, um forte contributo negativo de 0.7 p.p., indo inteiramente ao encontro das nossas expectativas e depois de terem apresentado um contributo nulo no trimestre anterior (revisto dos anteriores +0.3 p.p.), com este resultado a reflectir um decréscimo das exportações (-0.7% vs +1.9% no 4.º trimestre, revisto dos anteriores +1.5%) e uma subida das importações (+1.0% vs +1.7% no trimestre anterior, revisto dos anteriores +0.8%). Note-se que as exportações terão sido bastante penalizadas, no 1.º trimestre, pela queda das exportações para Angola e para a China (por exemplo, carros da Autoeuropa, neste caso), mas também pelas greves dos trabalhadores da refinaria de Sines realizadas ao longo do trimestre, cujo efeito negativo provocado deverá ser revertido no decurso deste trimestre.

 

4 – Reflectindo o facto de os dados do PIB terem ficado aquém do esperado neste início de ano, aquando da divulgação da estimativa preliminar, revimos em baixa as nossas previsões de crescimento do PIB para 2016, de 1.7% para 1.5%, previsão que se mantém rodeada de riscos descendentes, mas com os dados finais do PIB do 1.º trimestre a permitirem reduzir ligeiramente os riscos descendentes sobre a nossa previsão pontual. Esta nossa previsão tem implícita uma expectável correcção, no 2.º trimestre, dos factores pontuais que penalizaram a actividade económica no arranque do ano, apontando-se para um crescimento médio de cerca de 0.6% entre o 2.º e o 4.º trimestre do ano. Esta nossa previsão de crescimento anual de 1.5% em 2016, que, a confirmar-se, representará a manutenção do crescimento observado em 2015, mas contabilizando o 3.º ano consecutivo de crescimento após a saída do país de recessão e ao maior ritmo desde 2010 (+1.9%), acaba por ficar em linha com os valores previstos pela Comissão Europeia (CE) (03/05/2016) e apenas ligeiramente acima dos 1.4% previstos pelo FMI, embora se afaste um pouco mais dos 1.8% antecipados pelo Governo no OE 2016. A economia deverá voltar a ser suportada apenas pela procura interna, antecipando-se que o consumo privado possa crescer cerca de 2.2% (Governo +2.4%), mas prevendo-se agora que a FBCF cresça a um ritmo inferior ao de 2015 (+4.1%) – antes da divulgação da 1.ª estimativa do PIB do 1.º trimestre, previa-se um crescimento similar –, enquanto as exportações líquidas poderão acabar por ter um contributo ligeiramente negativo (antes da divulgação da 1.ª estimativa do PIB do 1.º trimestre, previa-se um contributo sensivelmente nulo) e a variação de existências e o consumo público, contributos sensivelmente nulos, embora, no último caso, se antecipe algum crescimento.

 

Paula Carvalho – economista-chefe do BPI

 

1 – O desempenho da economia ligeiramente melhor que o avançado no relatório preliminar do INE constitui uma boa notícia, ainda que o ritmo de crescimento efectivamente registado tenha permanecido fraco, inferior a 1% em termos homólogos. Pelo que, para o conjunto do ano, atendendo aos actuais condicionantes internos e externos, admitimos que a economia possa registar um ritmo de expansão próximo do observado em 2015.

 

2 – Relativamente às componentes, a que mais preocupa é sem dúvida o Investimento, que registou de novo uma queda em termos homólogos, interrompendo a tendência mais positiva que se registava desde finais de 2013. A análise do detalhe desta componente da procura agregada suscita também alguma apreensão pois a formação bruta de capital em construção voltou de novo a cair e o investimento em máquinas e equipamento retrocedeu pelo terceiro trimestre consecutivo. Efectivamente, o contributo da rúbrica da Formação Bruta de Capital para o PIB só não foi mais negativo porque o investimento em Material de Transporte aumentou mais de 20%,y/y, e porque a formação de stocks deu de novo um contributo favorável. Ora, atendendo a que o Investimento de hoje é fundamental para garantir a capacidade produtiva no futuro, esta tendência constitui uma séria adversidade relativamente ao desejo de reforço do crescimento potencial da economia portuguesa. Pondo também naturalmente em causa a recuperação do emprego de uma forma sustentada.

 

Núcleo de Estudos de Conjuntura da Economia Portuguesa (NECEP) da Universidade Católica

 

1 – No 1º trimestre de 2016, o PIB manteve o ritmo de crescimento em cadeia do final do ano passado (0.2%).  Em termos homólogos, o PIB cresceu 0.9%, o que é baixo, e apresentou um crescimento médio (1.3%) inferior ao de 2015 (1.5%) no ano terminado no 1º trimestre de 2016. Estes dados sugerem a continuação da trajectória de crescimento modesto que se tem observado desde meados de 2015. O crescimento nominal do PIB manteve-se, porém, num registo positivo, com uma variação homóloga de 3.3%. Por conseguinte, o baixo crescimento real reflecte, sobretudo, os deflatores negativos das importações que estão muito influenciados por efeitos cambiais e pelo preço do petróleo, que atingiu valores mínimos dos últimos 12 anos no 1º trimestre.

 

2 – Mantêm-se os sinais de preocupação oriundos do investimento (FBCF) que voltou a recuar, quer em cadeia (1.2%), quer em termos homólogos (2.2%). O contributo da formação bruta de capital para o crescimento do PIB foi nulo por via de uma variação de existências elevada. O consumo privado cresceu 2.1% em termos homólogos, mas a ritmo inferior ao do PIB, o que é desaconselhável na actual conjuntura. O consumo privado de bens duradouros teve um crescimento muito expressivo (11.2% em cadeia) o que reflecte o fenómeno de antecipação de compras de veículos na sequência da alteração da fiscalidade automóvel.

 

3 – Na vertente externa, as exportações voltaram a contrair em cadeia (0.7%) o  que reflecte uma ligeira deterioração da envolvente externa. Em termos nominais, as exportações contraíram 2.7% e as importações 2.4%, em resultado da presença de deflatores negativos em ambos os casos, o que permitiu manter um saldo positivo da balança de bens e serviços equivalente a 1% do PIB nominal.

 

4 – Estes dados confirmam a fragilidade da economia portuguesa desde meados de 2015, com a manutenção de uma trajectória de crescimento modesto que mantém viva a hipótese da recuperação cíclica da economia, se bem que a ritmo inferior ao perspectivado no ano passado. O mau desempenho do investimento e das exportações é motivo de preocupação mas a manutenção de uma balança externa positiva sugere que a recuperação do consumo privado a ritmo superior ao do PIB ainda não coloca em causa os equilíbrios externos.

 

Filipe Garcia – Informação de Mercados Financeiros (IMF)

 

1 – Face à estimativa rápida nota-se uma subida de 0.1 pontos percentuais no PIB em cadeia e homólogo, que resultou, segundo o INE, de informação adicional relativa aos deflatores do comércio externo. Portanto, pouco ou nada se altera da leitura global efectuada aquando da estimativa rápida.

Estão a materializar-se os dois dos quatro principais riscos para o crescimento do PIB:

 

a) a desaceleração do investimento, que já vem do trimestre anterior e confirma a preocupação com o futuro por parte dos agentes económicos mesmo num contexto de taxas de juro muito baixas;

 

b) a evolução da procura externa que reflecte o abrandamento global e de Angola e Brasil em particular.

 

2 – O modelo de crescimento baseado na ideia de tentativa de promoção do consumo privado está a mostrar as suas limitações, mesmo num contexto de vendas fortes no sector automóvel no trimestre, com o turismo muito dinâmico e actividade na área da reabilitação de imobiliário. Há ainda dois riscos adicionais que podem materializar-se durante 2016: o consumo privado pode desacelerar, por algum motivo que pode vir da confiança, e nas exportações deve destacar-se que este abrandamento ocorrer com uma Alemanha a crescer e uma Espanha relativamente pouco afectada pela crise política. E, claro, o desempenho orçamental poderá levar à implementação de medidas fiscalmente restritivas no segundo semestre.

 

3 – Há vários meses que considerávamos como muito optimistas as previsões para o crescimento do PIB em 2016 feitas pelo Governo (+1.8%) e mesmo a revisão em baixa feita pelo BdP (+1.5%). Provavelmente serão revistas novamente em baixa. Para 2016, pensamos que o PIB poderá crescer, no máximo, 1.2% a 1.3%, com riscos de revisão em baixa. Percebe-se, no entanto, uma ligeira melhoria da actividade neste 2º trimestre face ao anterior.

 

Nuno Aguiar