O que Gaspar não disse sobre o que os portugueses pensam

25/09/2011
Colocado por: Rui Peres Jorge

O ministro das Finanças esteve nos últimos dias em Washington multiplicando-se em reuniões e encontros com o objectivo de garantir que não restam dúvidas sobre o empenhamento português na aplicação do plano de ajustamento acordado com a Troika. Para isso lembrou os resultados eleitorais de 5 Junho – o facto de 80% dos votos e 85% dos deputados apoiarem o memorando de entendimento – e citou uma sondagem do German Marshall Fund, na qual os portugueses surgem como os que mais apoiam cortes na despesa pública. “Um elemento central do programa” de ajustamento”, sublinhou.

 

O ministro não disse, contudo, que, segundo a mesma sondagem, os portugueses são também dos mais pessimistas sobre o impacto do euro na economia, estando entre os que se sentem “pessoalmente” mais afectados pela crise. O momento de realização da sondagem também faz temer pela sustentabilidade apoio nacional ao programa de ajustamento.

 

A sondagem a que Vítor Gaspar se referiu é o bem conhecido estudo/sondagem anual “Tendências Transaltânticas” que o German Marshall Fund dos EUA publica desde 2002. O objectivo do trabalho é aumentar o conhecimento relativo à evolução do pensamento dos cidadãos dos dois lados do Atlântico sobre temas centrais da vida política e económica. Além dos EUA e de Portugal, o estudo de opinião inclui dados sobre outros 12 países: França, Alemanha, Itália, Holanda, Polónia, Reino Unido, Turquia, Eslováquia, Espanha, Bulgária, Roménia e Suécia.

 

Para a edição deste ano, divulgada a 14 deste mês, os cidadãos foram questionados sobre vários temas económicos, entre eles “o que fazer à despesa pública?”. As respostas animaram, e com razão, Vítor Gaspar que tem pela frente um trabalho de redução significativa da despesa do Estado.

 

  

 

Fonte: Transatlantic Trends, 2011

 

De facto, 80% dos inquiridos em Portugal considera que a despesa pública deve dimimuir, o maior valor entre os 14 países, e apenas 6% defende um aumento dos gastos públicos, o que é o menor valor. Mas, olhando com mais atenção para o estudo citado Gaspar pode ter mais razões para se preocupar do que para ficar descansado.

 

É que, por um lado, o inquérito foi realizado entre 25 de Maio de 17 de Junho, exactamente o período mais dramático da crise portuguesa: o pedido de ajuda internacional aconteceu a 6 de Abril, mas o memorando de entendimento e as condições impostas a Portugal têm como data oficial de 17 de Maio – um período onde a sensibilidade à importância de reequilibrar a economia foi provavelmente muito grande.

 

Por outro lado, mesmo sem as difíceis medidas de ajustamento no terreno, os portugueses já eram dos mais cépticos em relação à moeda única e dos que se sentem mais sacrificados pela crise:

 

 

Fonte: Transatlantic Trends, 2011

 

Também 80% dos portugueses sentem-se pessoalmente afectados pela crise, um valor apenas ultrapassado por Roménia, Bulgária e EUA. Não menos alarmante, seis em cada dez portugueses considera que o euro está a prejudicar a economia, enquanto no ano passadoa maioria fazia uma apreciação positiva da moeda única. 

 

 

Fonte: Transatlantic Trends, 2011 

 

Mesmo sem conhecer estes resultados, o moderador do debate em que Gaspar participou questionou-o sobre como vê Portugal em 2012, uma vez que ainda só leva uns meses de programa de ajustamento e até lá o apoio que agora tem pode desvanecer-se. O ministro das Finanças respondeu com uma citação de um personagem de Franz Kafka, e prometeu empenho na procura de consensos:

 

“Passar receitas é fácil, mas chegar a um entendimento com as pessoas é difícil (…) vamos continuar a comunicar e a tentar criar consensos à medida que caminhamos”

 

Olhando para o ponto de partida, a tarefa promete ser difícil.

 

 

Rui Peres Jorge