Estudo do BCE volta a apontar vantagens de uma desvalorização fiscal

25/08/2014
Colocado por: Rui Peres Jorge
Os primeiros chefes de missão da troika em 2011: Rasmus Ruffer (BCE), Juergen Kroeger (Comissão) e Poul Thomsen (FMI). A desvalorização fiscal foi uma da primeiras e principais prescrições do programa de ajustamento.

Os primeiros chefes de missão da troika em 2011: Rasmus Ruffer (BCE), Juergen Kroeger (Comissão) e Poul Thomsen (FMI). A desvalorização fiscal foi uma das primeiras e principais prescrições do programa de ajustamento.

Foi uma bandeira da troika e talvez a maior derrota do FMI no programa de ajustamento. Foi a medida que prometia suavizar a recessão e que acabou no lixo. Foi a receita que Vítor Gaspar primeiro desvalorizou e depois implementou numa versão adaptada, para recuar dias depois perante centenas de milhares de portugueses na rua a protestar e o descontentamento dos patrões. Foi também por ela que António Borges apelidou de ignorantes os empresários que a criticaram. Chama-se desvalorização fiscal, propõe uma descida da TSU dos trabalhadores em troca de uma subida de IVA, e volta a ser analisada num estudo publicado no BCE, no qual são analisados os casos português e espanhol. As conclusões voltam a apontar vantagens de uma medidas deste tipo.

 

 

O fascínio dos economistas pela desvalorização fiscal na Zona Euro é fácil de perceber. Entre países que partilham a mesma moeda não é possível desvalorizar a moeda para ganhar competitividade face aos outros parceiros. Neste contexto, a única variável de ajustamento que resta no curto prazo são os salários que, por definição, demoram a ajustar. É aqui que entra a desvalorização fiscal, uma medida que é quase um truque de política orçamental para simular uma desvalorização cambial.

 

A ideia concretiza-se em dois passos:

 

1) Por um lado, baixar a parte da taxa social única que é suportada pelos empregadores (23,75 pontos dos 34,75%) garantindo custos de produção menores. Isto traduz-se num ganho potencial de competitividade nas exportações (se a redução de custos for transmitida aos preços), mas é também uma vantagem competitiva face aos bens e serviços importados e que também são produzidos em Portugal;

 

2) Aumentar a taxa de IVA para procurar a neutralidade orçamental. Daí resulta um aumento do preço de todos os produtos comercializados dentro do País, incluindo as importações, mas a medida não tem qualquer impacto no preço das exportações – que não são taxados em sede de IVA.

 

No estudo publicado agora no BCE (“Fiscal Devalutation in the Euro Area – A model-based analysis”)  Sandra Gomes (Banco de Portugal), Pascal Jacquinot (BCE) e Massimiliano Pisani (Banca de Itália) é simulada uma “desvalorização fiscal” temporária (por 4 anos) em Espanha, Portugal e na Zona Euro. O cenário assumido aumenta a TSU num montante equivalente a 1% do PIB e reduz a tributação sobre o consumo num montante equivalente.

 

Aplicando a Portugal, tratar-se-ia de qualquer coisa como aumentar taxa máxima de IVA de 23% para 25,75% (para assim obter 1650 milhões de euros ou seja cerca de 1% do PIB) e baixar a TSU dos empregadores em 3,3 pontos, ou seja, reduzi-la de 23,75% para para 20,45%*.

 

Usando um modelo calibrado para Portugal os autores estimam os seguintes impactos:

 

1. O saldo externo melhoraria em 0,5 pontos de PIB ao fim de dois anos, e regressaria aos valores iniciais após cinco anos;

 

2. As exportações aumentariam cerca de 2% no mesmo período e as importações ficariam quase estáveis (a queda do consumo provocada pelo aumento da taxa de IVA reduziria as importações, mas o investimento aumentaria  e puxaria pelas importações);

 

3. O PIB aumentaria cerca de 1% ao fim de dois anos, e regressaria aos níveis iniciais após cinco anos. O emprego também aumentaria, dizem os autores (o estudo não apresenta simulações);

 

4. Se toda a Zona Euro também implementasse uma desvalorização fiscal (um cenário que explora a possibilidade de concorrência fiscal entre os países), a medida seria ainda assim positiva: o saldo externo melhoraria menos, mas o PIB continua a crescer 1% (as exportações seria menores, mas o consumo interno cairia menos e o investimento aumentaria mais).

 

Perante estes resultados os autores defendem que uma desvalorização fiscal temporária não deve ser vista como uma solução para problemas estruturais:

 

A temporary fiscal devaluation is not the most appropriate policy measure to deal with it [very persistent trade deficits and foreign borrowing]. Structural reforms, aiming at improving the competitiveness of the country on a permanent basis, should be more effective. In this paper we take a short-run perspective, as we focus on fiscal devaluation as a tool to overcome the lack of short-run adjustment associated with (short-run) nominal rigidities.

 

Mas consideram que pode ser útil para suavizar e acelerar um processo de ajustamento macroeconómico:

 

A temporary fiscal devaluation can be a relevant measure for two reasons. First, it can speed up the convergence process towards the long-run equilibrium, where all prices are flexible and fully adjust to the fundamentals of the economy. Second, it can make the convergence process smoother and avoid sudden rebalancing of the current account.

 

Apresentada desta forma e enquadrada num horizonte de 4 anos como fazem os três economistas, a desvalorização fiscal ficaria a matar como bandeira  de um qualquer programa de governo que prometa reformas, crescimento e reequilíbrio macroeconómico (e qual não prometerá?). Resta saber se depois do desastre de 2012 algum político em Portugal arriscaria tal caminho.

 

É certo que na altura a proposta adaptada de Passos Coelho, Vítor Gaspar e António Borges dava aos patrões tirando aos trabalhadores (a descida da TSU dos patrões era financiada com um aumento da TSU dos trabalhadores e não com uma subida de IVA) o que se revelou desastroso. Mas além dos problemas que os críticos lhe apontam mesmo na versão original estudada pelo BCE (entre os quais estão o enfraquecimento da base de financiamento da Segurança Social, a lentidão no ajustamento dos preços que poderá minar a sua eficiência ou o benefício que concede também às empresas dos sectores não exportadores), não é fácil recuperar uma ideia que se transformou, usando linguagem da banca, num activo tóxico da política.

 

* Há mais formas de alterar a tributação sobre o consumo. Aqui optámos pelo exemplo que beneficia dos dados mais recentes do Governo. Foram por isso usadas como referências a últimas estimativas do ministério das Finanças de impacto orçamental em alterações no IVA e na TSU: mais 0,25 pontos na taxa máxima de IVA de IVA renderiam 150 milhões de euros em 2015 e 0,2 pontos adicionais na TSU equivaleriam a 100 milhões de euros.

Rui Peres Jorge


2 comentários em “Estudo do BCE volta a apontar vantagens de uma desvalorização fiscal

  1. vguerra diz:

    Foi preciso que o homem morresse ,para os ignorantes reconhecerem a verdade.”Tirar aos trabalhadores,para dar aos patrões” foi assim que a oposição fez prevalecer a ignorancia

  2. braga diz:

    “Por um lado, baixar a parte da taxa social única que é suportada pelos empregadores (23,75 pontos dos 34,75%) ” O QUE É ISTO ?????

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