Afinal, qual foi o défice de 2015?

19/05/2016
Colocado por: Nuno Aguiar

Costa Passos

Fotografia: Miguel Baltazar

 

Estamos em Maio de 2016. Por esta altura, seria normal já sabermos o défice orçamental do ano passado. E sabemos! Mas a confusão em torno dos números tem sido enorme. Foi 4,4% do PIB? 3%? 3,2%? Estes números vão sendo citados por jornalistas, responsáveis políticos e economistas como se fossem os correctos. Afinal, para qual deles devemos olhar? A resposta depende daquilo que está à procura.

 

Pode pensar-se que o passado já não interessa, mas a verdade é que as regras orçamentais da Zona Euro fazem com que ele nos continue a assombrar: o facto de o défice não ter ficado abaixo dos 3% do PIB em 2015 foi determinante para Portugal não ter saído do Procedimento dos Défices Excessivos e enfrentar em Julho sanções da Comissão Europeia. Talvez este texto ajude a perceber qual foi, de facto, o buraco das contas públicas portuguesas.

 

 

4.685 milhões de euros

Este devia ser o primeiro valor referido. Esta é, de facto, a diferença entre aquilo que as Administrações Públicas gastaram e a receita que conseguiram arrecadar em 2015. As Administrações Públicas incluem todos os sectores que se considera estarem dentro do perímetro orçamental: Estado, Serviços e Fundos Autónomos, Segurança Social, regiões autónomas e autarquias. Estes quase 4,6 mil milhões de euros são o valor expresso em contabilidade pública, que segue uma lógica de caixa: dinheiro que entra e que sai. Pense na caixa registadora de uma loja. Nesta lógica, se um cliente pedir fiado, o dinheiro só conta quando lhe for pago, isto é, quando sai da caixa. O valor também não está consolidado de fluxos inter-sectoriais.

 

7.893 milhões de euros

Este é o défice orçamental em contabilidade nacional e não em contabilidade pública. É esta que interessa a Bruxelas. Em vez de caixa, segue uma lógica de compromisso. Isto é, usando o mesmo exemplo de uma loja, quando recebe um produto de um fornecedor e se compromete a pagar mais tarde, esta lógica exige que se registe essa despesa no momento em que a assumiu, mesmo que ainda não a tenha pago. A diferença significativa face ao valor anterior é explicado em grande parte pela injecção de dinheiro no Banif que, em contabilidade pública, não contam como despesa efectiva, logo não afectam o saldo. Este valor obedece também às regras de contabilidade de Maastricht na definição do perímetro orçamental.

 

4,4% do PIB

Este é o valor anterior, mas calculado em percentagem do PIB. Isso é importante, porque os limites comunitários não referem valores nominais. São sempre calculados face à dimensão da economia de cada país. Isto é, o défice até pode crescer, mas se a economia crescer mais rápido, o seu peso no PIB diminui. Estranhamente, este número tem sido ignorado por muitos responsáveis políticos, economistas e jornalistas, porque inclui a operação do Banif. Esta desvalorização é pouco compreensível, porque este é este o valor que realmente interessa a Bruxelas e é este que a Comissão irá avaliar para decidir se Portugal ficou ou não abaixo do limite de 3%, que lhe permitiria sair do Procedimento dos Défices Excessivos (spoiler alert: não saiu). Faz sentido que o Governo seja totalmente “desresponsabilizado” da falência e consequente intervenção num banco? Isso não aconteceu no passado – antes da crise da dívida -, porque aconteceria agora? Se um país violar o défice apenas devido à intervenção numa instituição financeira, Bruxelas até pode ser mais compreensiva na sua avaliação, mas o valor para o qual olham para fechar ou não o Procedimento é mesmo 4,4%. Este é valor que ficará para nas séries históricas do défice orçamental português.

 

3,2% do PIB

Começamos aqui a entrar nos ajustamentos do saldo orçamental. Estes 3,2% do PIB têm sido citados mais recentemente e dizem respeito ao cálculo feito pela Comissão Europeia, que exclui todas as operações relacionadas com o sector financeiro (tenham elas um impacto positivo ou negativo). A maior de todas é, obviamente, o Banif, que representou 1,4 pontos percentuais. Mas existem também operações que acabaram por ter um efeito positivo nas contas públicas, como as receitas dos Cocos (os instrumentos com que o Estado recapitalizaou vários bancos) ou a contribuição para o fundo único de resolução, cuja contabilização está também rodeada de alguma controvérsia (o Conselho de Finanças Públicas, por exemplo, não a inclui). Tal como o défice anterior, também este valor de 3,2% fica obviamente acima do limite dos 3% do PIB. Este é o valor para o qual deve olhar se quiser analisar a capacidade de controlo do orçamento.

 

3,03% do PIB

Caro leitor, não conseguimos descer mais do que isto. Segundo os cálculos do INE, 3,03% do PIB é o défice orçamental se for excluída apenas a operação Banif (contando com outras medidas extraordinárias que ajudam o saldo). Mesmo nesta versão mais benévola, o défice fica acima do limiar dos 3%. Ou seja, nem assim ficaria abaixo do limiar exigido nas regras do Procedimento dos Défices Excessivos.

 

2,7% do PIB

Esta era a previsão do Governo anterior para o défice de 2015.

 

2% do PIB potencial

Considere isto um bónus. Aqui já estamos a falar de um indicador diferente, mas pode ser útil para entender algumas das notícias que vai lendo. Em 2015, aquilo que se chama o défice estrutural foi equivalente a 2% do PIB potencial. Um indicador que parte do saldo orçamental global, mas expurga-o de efeitos cíclicos e de medidas temporárias. Isto é, procura estimar qual seria o défice sem operações extraordinárias como a do Banif e sem o impacto (positivo ou negativo) da flutuação do crescimento económico. O saldo estrutural tem ganho cada vez mais relevância na avaliação das instituições europeias, não tanto o seu nível, mas a sua variação anual. Em 2015, o défice estrutural português agravou-se de 1,4% para 2% do PIB potencial (este ano, deverá voltar a aumentar para 2,2%). Por outro lado, o indicador é também cada vez mais controverso, uma vez que existem várias formas de o estimar e ele muda substancialmente conforma a instituição que o calcula. A variação do saldo estrutural é aquilo para o qual deve olhar se quiser avaliar o esforço exigido pelo Governo às famílias e às empresas.

 

Nuno Aguiar